Sob vaias na rua, Trump apresenta programa “Saturday Night Live”
“Trump é um racista”, grita o comediante Larry David, criador de “Seinfeld”, nos bastidores do estúdio 8H da rede NBC, onde o programa “Saturday Night Live” é apresentado. “O que você está fazendo, Larry?”, pergunta Donald Trump. “Ouvi dizer que se eu gritasse isso, eles me dariam US$ 5 mil”, responde Larry. “Posso entender. Sou um homem de negócios”, foi a réplica de Trump. Assim terminou a entrada em cena do empresário-político, naquele que vem a ser considerado um dos episódios mais polêmicos do programa “SNL”.
Nenhum espectador presente ao “SNL” interrompeu o número de abertura feito pelo pré-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos e embolsou a recompensa que um grupo latino, protestando contra a participação de Trump no programa, havia oferecido publicamente.
Mas, na frente do prédio da emissora NBC, na rua 49, vários manifestantes levantavam cartazes chamando o programa de “racista”, além de entoar frases como “o povo unido jamais será vencido” e vaiar o empresário. Horas antes de o programa começar, integrantes de vários grupos latinos marcharam da frente do prédio Trump Tower, na Quinta Avenida com a rua 55, em direção ao da sede da emissora NBC. O jornal “Daily News” calculou que o número de manifestantes era de 200.
Durante a semana os protestos ganharam peso, com uma carta assinada por artistas latino-americanos como o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu (vencedor do último Oscar de melhor diretor) e os escritores peruano Mario Vargas Llosa e o americano de descendência dominicana Junot Diáz, contra a decisão da NBC de não cancelar o programa.
Ao lançar sua campanha presidencial em junho, Trump chamou os mexicanos que estão ilegalmente nos Estados Unidos de “criminosos e estupradores”. Caso eleito, o candidato prometeu deportar todos os ilegais e construir um grande muro na fronteira entre os dois países – apresentando a conta dos gastos para o governo mexicano pagar.
Foi a segunda vez que Trump apresentou o “SNL” e a nona ocasião, nos 40 anos de história do programa humorístico, na qual um político foi convidado para servir de host. Desses nove vezes, somente dois políticos estavam em plena campanha eleitoral. Nem Hillary Clinton que, recentemente participou como convidada de um esquete, apresentou programa inteiro como Trump.
O candidato republicano, em esquete que mostrava como seria seu governo após dois anos de gestão, gabava-se de seus feitos na economia e relações exteriores, pedindo que sua equipe desse uma maneirada no tom e fosse mais humilde, pois “os americanos estão cansados de ganhar sempre”.
A transmissão do “SNL” começou com sátira a um fórum de discussão do partido democrata organizado ontem no estado da Carolina do Sul e apresentado pela âncora Rachel Maddow. Ela explica aos espectadores que aquele programa iria mostrar vários “close-ups de negros na platéia, frequentemente pegando-os de surpresa”. Foi uma alusão ao fato de o estado americano ter vasta comunidade negra e da emissora MSNBC, que apresentou o encontro, ter abusado dos close-ups de intenções raciais durante a transmissão de sexta-feira.
Rachel entrevista os candidatos Hillary Clinton, interpretada por Kate McKinnon, e Bernie Sanders, feito brilhantemente por Larry David. “Negros me adoram”, diz Sanders. “Quando concorri ao senado por Vermont, tive 50% do voto negro daquele estado: o nome dele era Marcus”. O auditório vem abaixo, gargalhando com a piada.
No número de introdução, Trump falou porque decidiu apresentar o “SNL” pela segunda vez: “Um monte de gente me diz: ‘Donald, você é o cara mais extraordinário; você é brilhante; você é bonito; você é rico; o mundo está esperando você se tornar presidente; então por que razão está apresentando o “SNL”?’ A resposta é: não tenho mais nada para fazer”.
Após o primeiro intervalo comercial do programa, Trump aparece no salão oval da Casa Branca, em 2018, como presidente eleito. Ele está sentado ao lado da primeira-dama Melania Trump, ouvindo sua equipe dizer que a “prosperidade” do país, nos primeiros dois anos de sua gestão, atingiu “nivéis altíssimos”. A mulher de Trump, interpretada pela comediante Cecily Strong, intervem: “eu disse que (ele) era muito mais do que papo furado e de um cabelo ridículo”.
Trump recebe briefing da secretária de Estado, que vem a ser Omarosa, uma das mais famosas concorrentes do finado programa de TV “The Apprentice”. No briefing dela sobre a Rússia, Omarosa diz que aquele país, por causa de Trump, retirou suas tropas militares da Ucrânia e não chama mais os Estados Unidos de “perdedores”. O “presidente” Trump também recebe a visita da secretária de decoração de interiores, a filha do empresário, Ivanka Trump, interpretando ela mesma. Ivanka conta que a reforma da Casa Branca, com piscina particular e cabanas, está quase pronta, “antes do prazo” e “com orçamento menor que o previsto”. “Hoje estamos revestindo o Monumento de Washington em ouro”, finaliza.
Henrique, “presidente” do México, entrega pessoalmente um cheque de US$ 20 bilhões pela construção do muro na fronteira dos dois países. “Nada aproxima tanto dois países quanto um muro”, diz o mexicano. Trump agradece Henrique por ter feito a emissora de TV Telemundo deixar de apresentar seus programas em espanhol e adotar o inglês.
Vários dos esquetes protagonizados por Trump tinham tom de ironia e sarcasmo contra o candidato. Ele posta tuítes ofensivos contra os atores do “SNL” durante segmento passado num restaurante italiano (“@vanessabayer é uma comediante preguiçosa e deve ser deportada”); a Melania Trump fictícia diz “se você votar para Trump, vai me ganhar como primeira-dama”; e um esquete promove um candidato de cabelo vermelho, ao lado de duas garotas de programa, chamado Ronald McDonald McTrump. Trump não pareceu se importar com os mini-ataques.
No segmento de notícias, um dos âncoras lembrou que a autenticidade da certidão de nascimento do presidente Barack Obama foi contestada”por um dos convidados deste programa”, numa alusão à campanha difamatória de Trump contra Obama, em 2011, na qual o empresário afirmava que tinha provas de que o presidente nasceu na África e, por conta disso, sua eleição era ilegal. Obama tornou pública sua certidão de nascimento oficial, provando ser americano, após os ataques de Trump.
Outros quadros incluíram Trump dançando e fazendo solo de rap num video-paródia do músico Drake. Trump também fez um integrante de uma banda de bar, que toca “harpa a laser”. O político fez a apresentação dos dois números musicais da cantora australiana Sia, que interpretou as faixas “Alive” e “Bird Set Free”, de seu novo CD, a ser lançado em janeiro de 2016.
As inserções comerciais também foram, no minímo, curiosas. O estúdio Paramount Pictures apresentou o trailer de seu novo filme “13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi”, que só estreia no dia 15 de janeiro nos Estados Unidos. Detalhe: o filme é sobre a ação de forças especiais americanas em Benghazi, na Líbia, em 2012, durante ataque terrorista que culminou na morte do embaixador americano J. Christopher Stevens e outras três pessoas. O papel de Hillary durante o incidente (ela era Secretária de Estado na época) está sendo investigado por uma comissão especial do senado americano. Hillary também vem sendo constantemente atacada pelos candidatos republicanos por sua atuação em Benghazi.
Para o que deve ter sido uma tentativa de fazer média com os latinos revoltados contra a emissora, a rede NBC também apresentou trailers de dois seriados com temática e atores latinos, e que serão lançados mês que vem naquele canal. “Telenovela”, estrelado e produzido por Eva Longoria, é sobre os bastidores de gravação de um novelão. E “Superstore” é sitcom com a atriz America Ferrera como protagonista. Ela é funcionária de uma megaloja, gerenciada por manager politicamente incorreto.
A rede TBS criou propaganda especial para promover o programa “Full Frontal”, de Samantha Bee, que, em fevereiro irá se tornar a primeira e única mulher a ter um talk show de fim de noite. No anúncio, Samantha fica sabendo que Trump não se tornou presidente dos Estados Unidos e ela tenta se desfazer de uma tatuagem que fez na perna com desenho do rosto do candidato e a inscrição “Our 1$T Cla$$y President”, nosso primeiro presidente de classe.
No final da apresentação do “SNL”, já na madrugada de domingo, Trump, como é de praxe por entre os apresentadores convidados do programa”, agradeceu a todos os outros participantes especiais. Ele menciona o nome da filha Ivanka e da cantora Sia, mas não citou o de Larry David, que lhe deu as costas e foi conversar com comediante do staff do programa.