Terrorista solitário escolheu região ‘hollywoodiana’ de NY para o ataque

Marcelo Bernardes

À trabalho ou por recreação, o trecho da ciclovia à beira do Rio Hudson, que se estende dos bairros do West Village ao Distrito Financeiro de Nova York, é quase que um destino diário para minha locomoção, via uma surrada bicicleta.

Entro nesta ciclovia, pela Christopher Street, e longo ganho mais velocidade ao lado da escola de trapézio suspensa no segundo andar de um estacionamento, usada numa cena da série de TV “Sex and the City”. Foi em frente a essa famosa locação que Sayfullo Saipov, 29, natural do Uzbequistão e residente de Tampa, Flórida, entrou como um louco com uma caminhonete pick-up, alugada por US$ 19 por hora. Saipov se tornou o responsável solitário do ataque terrorista mais brutal em Nova York desde a manhã de 11 de setembro de 2001, quando aviões colidiram contra as torres gêmeas do World Trade Center. Trata-se também do primeiro ataque na cidade feito por um veículo, a exemplo de incidentes nas cidades europeias de Londres, Nice e Berlim, algo que muitos temiam que podia acontecer mais cedo ou mais tarde por aqui.

O caminho de destruição da pick-up de Saipov não poderia ter sido mais hollywoodiano. Justin Timberlake e Jennifer Lawrence moram de frente para a ciclovia, onde algumas vítimas eram reavivadas por paramédicos. A área também abriga o prédio, em construção, onde Gisele Bündchen vai morar com o marido, o jogador de futebol americano Tom Brady. O massacre só foi ter fim, dez quarteirões depois, a poucos metros do novo World Trade Center (onde ficam as redações das revistas The New Yorker e Vogue) e de frente para uma das mais famosas escolas públicas de Nova York, a Stuyvesant, por onde passaram desde o músico Thelonius Monk, o roteirista Joseph Mankiewicz (de “A Malvada”), o assessor político David Axerold (que cuidou da campanha de Barack Obama), atores de diferentes gerações como James Cagney, Ben Gazzara, Tim Robbins e Lucy Liu até, mais recentemente, celebridades como Lourdes Maria Ciccone, a filha de Madonna.

Na agradável e ensolarada tarde de terça (31), essa privilegiada área de Manhattan, onde também acontece anualmente o Festival de Cinema de TriBeCa e onde ficava o escritório do (agora) para sempre infame produtor de cinema Harvey Weinstein, parecia uma carnificina. Pelo menos oito bicicletas totalmente entortadas, pedaços de pano branco ensanguentados, terra e pedaços de plantas arrancadas de canteiros bem cuidados eram visíveis na ciclovia de mão dupla. Acesso à esses detritos de horror, somente uma equipe forense de macacão branco, protegida pela polícia de Nova York. Entre as pessoas encaminhadas para hospitais, duas morreram na mesa de operação.

A ciclovia se tornou um corredor-armadilha sem saída. Somente quem vinha em sentido contrário ao da caminhonete, teve chance de evitar o pior. Para quem pedalava ou corria na frente da caminhonete, as chances eram mínimas. De um lado está uma rodovia como a Marginal, em São Paulo, e no outro, um canteiro de plantas protegido por um muro. Caso acontecesse duas horas mais tarde, o ataque poderia ter sido ainda pior, uma vez que a ciclovia fica repleta de ciclistas e corredores que se exercitam após o expediente de trabalho. E essa semana, em particular, é grande o número de corredores treinando para a Maratona de Nova York, que acontece domingo (5).

Bicicletas destruídas na ciclovia do bairro de TriBeCa, ao lado do rio Hudson. (Foto: Rede ABC/Reprodução)

O ataque terrorista aconteceu também poucas horas antes do início de um dos maiores eventos populares de Nova York e um dos mais famosos dos Estados Unidos: a parada de Halloween do Greenwich Village, que é televisionada ao vivo. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, disse que a parada prossegue normalmente. “O resultado é que os novaiorquinos devem prosseguir com seus compromissos e não serem desencorajados de sair à rua”, disse de Blasio, que compareceu à parada em companhia de seu desafeto, o governador do estado Andrew Cuomo (ambos são do Partido Democrata).

Milhares de pessoas celebram no momento a parada de Halloween. E elas têm uma sinfonia diferente: o barulho de quase uma dezena de helicópteros que sobrevoam o local do atentado e também o bairro do Village, onde fica a maior concentração dos foliões fantasiados. Próxima preocupação: a segurança para a Maratona de Nova York no domingo (5).