Filme produzido por carioca faz sucesso na Bienal do Whitney
Ao entrarem em uma sala escura do museu Whitney, em Nova York, os visitantes, usando óculos 3D, tomam conhecimento de um ilusório organismo, híbrido de planta e animal, que vive escondido em algum ponto das margens do rio Negro, na Amazônia. A cada 107 anos, reza a folclore, o organismo conhecido pelo nome científico de Saudaderrhiza floresce, assumindo a forma de “uma perna de cavalo que engoliu uma toranja” ou de “um avião que se espatifou contra um prédio”.
O filme “The Flavor Genoma” (Genoma do Sabor), criado e dirigido pela artista Anicka Yi está sendo um dos grandes destaques da Bienal do Museu Whitney, em cartaz até 11 de junho. (leia tudo sobre a bienal aqui.)
A sala de exibição, instalada num dos cantos do museu e vizinha de uma instalação do artista Pope.L, que consiste de uma casa com paredes revestidas por 2.755 fatias de mortadela (algumas já apodreceram e caíram), fica lotada durante o dia, e. o público tende a acompanhar todos os 22 minutos de projeção. “Trata-se de um estonteante video em 3D de alta definição que alterna (cenas) um imaculado laboratório com a floresta Amazônica para contar a história fictícia de bioprospecção em nome do consumismo global”, escreveu Roberta Smith, crítica de arte do The New York Times.
As imagens estonteantes na Amazônia – e também num estúdio em Nova York – foram captadas, em sua maioria, por câmeras 3D da Sony pelo carioca André Lavaquial. Além de diretor de fotografia, o cineasta também foi o produtor do filme.
“The Flavor Genoma” teve sua estreia no ano passado, no museum Friedericianum, em Kassel, na Alemanha, como parte da primeira exibição solo de Anicka Yi naquele país. O tema geral era o da estrutura das formas híbridas, às quais a artista aplicou de referências científicas à discussão sobre o colonialismo.
A ideia para o filme surgiu no apartamento de Lavaquial, no Rio, onde a artista, que é também namorada do cineasta, começou a ler o livro “Metafísicas Canibais”, do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. “O filme, de certa forma, é uma resposta de Anicka ao conceito do perspectivismo ameríndio discutido no livro que dei de presente a ela”, explica Lavaquial ao blog.
Em “The Flavor Genoma”, Anicka usa a bioprospecção, ou garimpagem biológica, pesquisa da fármaco que consiste na procura de elementos constituintes de seres vivos como proteína e lípido, como ponto de partida para sua teoria sobre uma identidade híbrida. Se os especialistas extraem sabores e cheiros dos mais diversos organismos para criarem perfumes e comida, “imagina se pudéssemos provar também uma montão de personalidades químicas”, pergunta a narradora do filme. “E se habitássemos a mente de um canibal ou de um adolescente bem hormonal”?
Yi tenta também explicar ao público que assiste seu filme, a melhor tradução para a palavra saudade, da qual o fictício organismo procurado na Amazônia, é derivado. “Não tem traducão literal em inglês, mas pode ser descrita como uma sensação de desejo, melancolia e nostalgia”, diz a narradora. E a voz acrescenta: “Nosso guia (na Amazônia) descreveu saudade como a sensação de perder alguma coisa que você ama, entendendo que a probabilidade de retorno é desconhecida, inteiramente à mercê do destino”.
O filme tem belas e emblemáticas cenas como uma espécie de colmeia com luzes led piscodélicas, brilhando numa árvore à beira do Rio Negro, um frango soltando fumaça azul por seu orifício durante um entardecer, e uma sequência na qual uma mulher acaricia moluscos que cobrem a vagina. A cena faz um close-up da mão dela, mostrando unhas pintadas com esmalte rosa e apliques do logotipo da grife Chanel. “Tivemos que colocar a atriz com as pernas abertas sobre uma mesa com toda parafernália 3D ao redor dela”, explica Lavaquial. “O estúdio ficou parecendo um consultório ginecológico hi-tech”.
Anicka Yi é uma das artistas mais badaladas no mundo das artes no momento. Em outubro, ganhou o prestigiado prêmio Hugo Boss, espécie de Pritzker (o Oscar de arquitetos) para artistas visuais. Além de um prêmio de US$ 100 mil, Yi também ganhou a chance de fazer uma exposição solo no museu Guggenheim. No momento, ela trabalha nos últimos preparativos da mostra, a ser lançada no mês de vem.
Nascida na Coréia do Sul, ela imigrou com a família para os Estados Unidos aos 2 anos de idade. Passou parte de sua vida adulta em Londres e adotou Nova York a partir de 1996. Como uma carreira conhecida na Europa, já exibiu na galeria Gagosian, em Londres, e na Kunsthalle Basel, na Suíça. Em suas obras conceituais, Yi usou materiais que vão desde bactéria e aspirinas até sabonete de glicerina.
Lavaquial, cujo curta “O Som e o Resto” foi apresentado em Cannes em 2008, está trabalhando em seu novo filme, um documentário sobre o músico americano Arto Lindsay. Ele também prepara uma exposição de seus videos para 2018.