Rei das ‘fake news’ diz que suas reportagens são 100% legítimas

Marcelo Bernardes

Fake News!

Não, não se trata de um tuíte do presidente Donald Trump desmoralizando o jornal The New York Times ou as redes CNN e NBC. Mas sim de uma fascinante reportagem sobre notícias falsas, fenômeno intensificado durante a última eleição presidencial norte-americana, feita por Scott Pelley, co-âncora do programa jornalístico “60 Minutes”.

A reportagem sobre “impostores mascarados como repórteres que envenenaram a conversa com histórias que pendem para a direita e para a esquerda” foi exibida hoje à noite (26), pela rede CBS. Minutos depois da exibição, ela viralizou nas mídias sociais.

O “60 Minutes” ouviu várias fontes. A mais importante foi o advogado californiano Mike Cernovich, dono do website “Danger & Play”, um das mais populares fontes de notícias falsas nos Estados Unidos. Só no mês passado, o feed do Twitter de Cernovich teve tráfego de 83 milhões de seguidores. “Foi um mês fraco, já tive 150 milhões”, explica o advogado à Pelley.

Foi também no website de Cernovich (ele se considera politicamente de “centro-direita”) que uma notícia falsa ganhou grande repercussão dias antes das eleições americanas, e batizada pela mídia mainstream pelo hashtag “pizzagate”. Segundo o Danger & Play, uma pizzaria de propriedade de James Alefantis, na capital americana, seria, na verdade, uma fachada para esconder uma rede de abuso infantil liderada pela candidata democrata Hillary Clinton e o chefe da campanha dela, John D. Podesta.

Mike Cernovich, do website Danger & Play, sendo entrevistado por Scott Pelley. (Foto: CBS News)

O Danger & Play chegou a escrever que “o círculo de assessores de Clinton incluía traficantes de crianças, pedófilos e agora membros de uma ‘seita de sexo”. Ouvido por Pelley, o dono da pizzaria disse que sofreu inúmeras ameaças de morte em suas contas no Instagram e Facebook. “Foram momentos aterrorizantes”, explicou Alefantis. Uma das mensagens que Alefantis recebeu foi a de que os intestinos dele deveriam ser arrancados e espalhados pelo chão da pizzaria.

Na reportagem do “60 Minutes”, Cernevich refuta que as notícias de seu site sejam falsas. “Você realmente acredita nelas ou diz isso porque é importante para o seu marketing?”, pergunta Pelley. O advogado diz que elas são “100% verdadeiras”. Pelley ironiza dizendo que Cernevich coloca seu website num nível muito elevado. “Sou advogado, tenho minhas maneiras de aferir evidências”, diz ele.

Cernevich ainda diz que a popularidade de seu website, incluindo seus podcasts, se deve ao fato de ele criar um conteúdo que é  “contundente, divertido, contraintuitivo e contra-narrativas. Tenho uma informação que você não vai encontrar em nenhum outro lugar”.

Notícia falsa do Danger & Play diz que Hillary Clinton sofre de mal de Parkinson. (Foto: Reprodução)

Pelley questiona outra notícia publicada pelo Danger & Play em período pré-eleição, a de que Clinton sofria de mal de Parkinson. A informação foi baseada em especulação de um anestesista que nunca encontrou ou tratou a candidata.

Usuários conservadores das mídias sociais especularam a informação por dias, obrigando Clinton e até a Associação Nacional de Parkinson a divulgarem comunicados oficiais negando a notícia. “Ela teve pneumonia”, diz Pelley. “Como você sabe?” responde Cernevich. “Eu não vou aceitar a palavra dela. A mídia hoje diz a mesma coisa sobre Trump: não vamos acreditar no que ele diz. É por isso que nos encontramos em universos diferentes”, conclui o advogado.=

Outro provedor de fake news entrevistado é Jestin Coler, que comanda os websites “National Report” e “Denver Guardian”. Coler está na categoria que Pelley define como “aqueles que ganham uns trocados” com notícias falsas. Mais especificamente US$ 10 mil por mês ao escrever reportagens contra aborto, Obamacare e até de uma família no Texas que ficou em quarentena ao ser diagnosticada com o vírus do ebola. Cerca de 8 milhões de pessoas leram a notícia.

Coler diz que usa palavras específicas a fim de chamar a atenção para suas “reportagens” (“o sangue do leitor tem que ferver”, diz ele). Coler compara os momentos de picos dos pageviews, e a subsequente queda do interesse pela notícia, ao vício pelas drogas. “Você fica alto, depois cai e ai espera até a próxima vez de ficar chapado”, diz.

Jestin Coler (esq.) sendo entrevistado por Scott Pelley. (Foto: CBS News)

O falso jornalista ironiza que o Facebook e o Twitter facilitam o trabalho dele. “Basicamente entramos nos grupos que são nossos alvos e propagamos a notícia. Os usuários, são essencialmente, nossos bots. Eles tendem a acreditar em qualquer página colocada na frente deles e que tenha um ‘look noticioso’.”

Pelley entrevista o consultor Jim Vidmar sobre os bots, as falsas contas de mídia social programadas para curtir ou retuitar uma mensagem (Pelley compra um pacote de “bots” de um website russo durante a reportagem). Ele também fala com Phil Howard, chefe do Instituto da Internet da Universidade de Oxford. Durante as semanas pré-eleitorais nos EUA, o time de Howard estudou as notícias veiculadas no Michigan, que é um “swing state”, estado que ponde pender para os democratas ou republicanos. O especialista explica a Pelley que o número de “junk news” publicadas no Michael pré-eleição foi equivalente ao de notícias divulgadas por organizações noticiosas profissionais.

Da empresa TradeDesk, que ajuda companhias a se livrarem de notícias falsas, surge estatística alarmante. Os consumidores de fake news são afluentes, mais velhos e frequentaram o colégio. “Eles não são essencialmente pessoas incultas ou de baixa renda como todo mundo achava”, diz Jeff Green, CEO da empresa, ao “60 Minutes”.

Green explica que, uma vez na frente de uma notícia falsa, os leitores continuam lendo artigos similares, em vez de procurarem por uma página de jornalismo legítimo. São o que ele chama de Internet Echo Chambers” (câmaras de eco da internet).”O mais alarmante disso tudo é que são essas pessoas que saem para votar.”