Restaurantes da moda abrigam casos de intolerância política

Marcelo Bernardes

Os jornais americanos noticiaram hoje (19) dois incidentes isolados, acontecidos em restaurantes da moda, e que refletem o aumento da intolerância em tempos de uma melindrosa sensibilidade política criada pela retórica de ódio de Donald Trump. Os casos ocorreram em dois dos mais liberais estados do país, Califórnia e Nova York.

Ao visitar um restaurante em Huntington Beach, a 60 quilômetros de centro de Los Angeles, na Califórnia, a filha de imigrantes mexicanos Brenda Carillo, 23, jamais poderia imaginar que teria de apresentar uma prova de residência. Mas foi exatamente esse o pedido que um garçom do restaurante Saint Marc fez.

Indignada, uma colega de Carillo repetiu ao mesmo garçom, a frase que este acabara de dizer: “posso ver uma prova de residência?”. E o garçom, segundo entrevista de Carillo ao jornal “Los Angeles Times”, se explicou: “Preciso ter certeza que você é daqui antes de servi-la”. Quando duas outras amigas de Carillo chegaram, o garçom repetiu o pedido de prova legal de residência. As amigas resolveram reclamar para o gerente, que pediu desculpas e se ofereceu a trocá-las de lugar. O quarteto declinou e deixou o restaurante.

Carillo, que mora na Califórnia, trabalha numa ONG que presta serviços sociais para famílias e jovens e se considera “uma latina de pele clara”, explicou que, horas mais tarde, ainda abalada com o ocorrido, decidiu tornar público o incidente em mídias sociais. Fez um post no Facebook sobre o incidente e escreveu uma crítica no popular site de resenhas Yelp.

O gerente do local entrou novamente em contato com Carillo, pedindo desculpas e explicando que demitira o garçom. Também ofereceu passes VIPs para Carillo e amigas, e disse que doaria 10% do rendimento do restaurante durante um fim de semana para entidades sociais da escolha delas. “Fico mais assustada pelos outros membros de minha comunidade, que são imigrantes”, disse Carillo ao “Los Angeles Times”. “Se uma situação dessas acontece com eles, tenho certeza que vão ficar com medo de protestar”.

Em Nova York, garçons de um restaurante no West Village, que serviu de locação para a cena em que a personagem Miranda (Cynthia Nixon), do seriado de TV “Sex and the City”, celebra o casamento com as amigas, pediu que um simpatizante de Donald Trump se retirasse do local.

O cliente, Greg Piatek, 30, um contador da Filadélfia, disse que visitou o local com dois amigos no final de janeiro. Ao pedirem uma segunda rodada de drinques, uma garçonete notou que Piatek usava o famoso boné vermelho da campanha presidencial de Trump com a frase “Faça a América Ser Grandiosa Novamente”, e avisou o bartender que os atendia.

Em artigo do jornal “New York Post”, Greg Piatek, de boné, disse que foi destratado por garçons de um restaurante da moda em Manhattan (o dono, à direita), por ser simpatizante de Donald Trump. (Foto: Reprodução)

 

Piatek disse ao jornal “The New York Post” que o garçom, então, depois de perguntar se o boné “era algum tipo de brincadeira” e ouvir uma negativa, pediu para que Piatek e os amigos deixassem o local: “Qualquer pessoa que apoia Trump não é bem-vinda aqui. Você tem que deixar o restaurante agora, pois nós não o serviremos”, teria dito o garçom. O trio de amigos foi escoltado para fora pelo gerente do lugar, e agora Piatek decidiu entrar com um processo contra o restaurante na Suprema Corte de Nova York. O advogado de Piatek alega que a situacão foi “humilhante”.

O “Post”, de propriedade do magnata australiano Rupert Murdoch e com linha editorial pró-Trump, destacou um de seus colunistas para visitar bares e restaurantes populares dos bairros SoHo e Harlem, em Manhattan, e também em áreas do Brooklyn, usando o mesmo boné vermelho da campanha do presidente.

Na maioria dos estabelecimentos visitados, o colunista Dean Balsamini disse ter sido destratado, ou virado motivo de piada,  por garçons. Ao andar por Williamsburg, bairro do Brooklyn, Balsamini disse que foi confrontado na rua por um “hipster de skinny jeans”, que o ameaçou: “Tire essa merda de boné da cabeça”.

Numa calçada na área do Lincoln Center, em Manhattan, o colunista avistou o comediante Chris Rock e pediu para que este posasse para uma selfie. “Ele ergueu a palma de mão e continuou andando”, escreveu Balsamini.