38 anos depois, Sonia Braga volta ao mais icônico cinema de NY
Como a Clara do filme “Aquarius”, o Paris Theatre, último dos grandes e importantes cinemas de Nova York em atividade, continua a resistir a cruel exploração imobiliária da cidade, e mantém-se desafiador na rua 58, bem ao lado do Hotel Plaza, desde 1948.
É neste cinema, juntamente com outras duas salas – uma em Nova York e outra em Los Angeles -, que “Aquarius” foi finalmente lançado hoje (14) no circuito americano. A partir da semana que vem, a produção do cineasta Kléber Mendonça Filho começa a alcançar outras cidades dos EUA. Com a presença do diretor e de sua protagonista, a atriz Sonia Braga, “Aquarius” teve sessão de pré-estreia em sala lotada do Angelika Film Center, ontem à noite (13).
O Paris Theatre é o último grande cinema de Nova York, fora do formato multiplex, em funcionamento, sobrevivendo aos problemas dos altos custos dos aluguéis na cidade e do destino de ver seu amplo espaço dividido em múltiplas salas. Desde que abriu suas portas no final da década de 40, que o Paris se transformou no principal destino para os filmes estrangeiros no país, chegando a apresentar alguns cineastas desconhecidos pelas plateias americanas e a fomentar a genial reputação deles para o resto do país.
Por décadas, filmes dirigidos por Akira Kurosawa, Federico Fellini, Ingmar Bergman, Rainer Werner Fassbinder e de cineastas americanos como Woody Allen, Martin Scorsese e John Cassavetes foram lançados, em primeira mão, no Paris Theatre. Woody Allen chegou a filmar uma icônica cena de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” no lobby do cinema. Sarah Jessica Parker também visita o local em cena da série de TV “Sex and the City”.
Entre os grande hits do Paris Theatre estão “Romeu e Julieta”, de Franco Zeffirelli, que ficou um ano em cartaz (1968-1969), seguido de “Um Homem, Uma Mulher”, de Claude Lelouch e “Divórcio à Italiana, de Pietro Germi, que quase atingiram a mesma marca. Dois filmes do diretor inglês James Ivory, “Uma Janela para o Amor” e “Retorno a Howards End”, ficaram em cartaz respectivamente por sete e cinco meses.
Sonia Braga tem um histórico com o cinema. Ela apareceu pela primeira vez na marquise do Paris em fevereiro de 1978, quando “Dona Flor”, de Bruno Barreto, foi lançado oficialmente nos EUA, trazendo grande reconhecimento para a carreira de ambos. “O maior sucesso do cinema brasileiro chega na hora certa para esquentar a cidade”, dizia um artigo do jornal “The New York Times” da época, fazendo referência às cenas eróticas da adaptação do livro de Jorge Amado com as últimas semanas para o fim oficial do inverno nova-iorquino. Dona Flor ficou mais de quatro meses em cartaz no Paris.
A estreia de “Aquarius” nos Estados Unidos foi recebida com entusiasmo pelos críticos dos dois principais jornais do país. A. O. Scott, do “The New York Times”, chamou o filme de “cativante”. O crítico diz que Mendonça Filho é um “maravilhoso e surpreendente retratista”. Scott ainda faz uma brincadeira, comparando “Aquarius” com o primeiro longa do diretor, “O Som ao Redor”, ambos ambientados em prédios pernambucanos. “Julgando os dois títulos, você pode dizer que o diretor se especializou em filmes sobre o mercado imobiliário de Recife, da mesma forma que Herman Melville se especializou em livros sobre viagens marítimas”.
Já o crítico do “Los Angeles Times” chamou o filme de “deslumbrante” e “reflexivo”, classificando Mendonça Filho como um “talentoso sensualista” e “instintivo contador de histórias analíticas”.
Ambos os jornais chamam a atenção para a metáfora política de “Aquarius” e a polêmica criada no Brasil, citando o protesto feito pela equipe do filme durante o Festival de Cannes, em maio, contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o fato de o longa não ter sido escolhido para ser o representante oficial do país na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro. Chang, do “Los Angeles Times”, brinca com o fato de o filme ter sido claramente injustiçado na seleção oficial para o Oscar, dizendo que existem outras boas razões para se assistir “Aquarius”, além de “dar um prazeiroso voto de protesto”.
Mas as maiores honrarias dos críticos são reservadas à sua protagonista. O jornal “Los Angeles Times” diz que a personagem Clara “é interpretada com perfeição pela grande Sonia Braga” e chama o papel de o melhor da carreira da atriz. Já Scott, do “New York Times”, se refere a atriz como “a viva personificação das glórias do cinema brasileiro”. E o crítico termina: “Ela (Clara) não é uma personagem com quem você gostaria de comprar uma briga”.