Jack Bauer sai da aposentadoria e volta como presidente

Marcelo Bernardes

Em pesquisas de opinião, a candidata democrata Hillary Clinton é descrita pelo eleitorado americano como uma pessoa “não honesta” ou “digna de confiança”. Ela também já foi chamada de “enfermeira sádica” (pelo ex-prefeito de Londres Boris Johnson) e “candidata sanduíche de cocô (semana passada, em episódio do desenho “South Park”). A lista dos pontos negativos de seu oponente, o republicano Donald Trump, é vasta e inclui  “xenófobo”, ”sexista”, “inexperiente”, “islamofóbico”. Em emails de Colin Powell recentemente vazados por hackers russos, o ex-secretário de Estado norte-americano chamou Trump de “desgraça nacional” e “pária internacional”.

Às vésperas do primeiro debate presidencial, que acontece segunda (26), a rede de TV ABC, de propriedade da Disney, está oferecendo uma deliciosa alternativa a uma das corridas à Casa Branca mais alopradas dos últimos tempos: Jack Bauer para presidente.

Sim, a partir de agora, todas as noites de quarta-feira, Bauer, o agente da CIA que, por mais de uma década, se desdobrou para defender dos terroristas um presidente negro, uma presidenta e um vice impopular que assume os EUA interinamente, agora foi parar no Salão Oval.

Com a mulher (Natasha) segurando uma bíblia, o secretário de governo Kirkman (Sutherland) assume interinamente a presidência dos EUA. (Foto: /ABC)
Com a mulher (Natasha McElhone) segurando uma bíblia, Kirkman (Sutherland) assume a presidência dos EUA. (Foto: Ben Mark Holzberg /ABC)

No seriado “Designated Survivor”, que teve sua estreia ontem à noite (21), o ator Kiefer Sutherland está de volta à TV fazendo o que sabe melhor: defender a soberania americana, custe o que custar. E por falar em custos, a Disney torrou uma boa cifra na promoção da série. Sinal de que eles acreditam ter em mãos uma versão disfarçada do popular “24 Horas”. E é. Projeto do roteirista David Guggenheim, autor de “Protegendo o Inimigo”, filme de suspense com Denzel Washington e Ryan Reynolds, “Designated Survivor” é um “24 Horas” mais ponderado (sem toda a agenda reacionária do original) e mais light, perfeito para o atual momento eleitoral, que está deixando os americanos com os nervos à flor da pele.

Sutherland é Tom Kirkman, secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano (equivalente ao Ministério das Cidades no Brasil) do governo do presidente Richmond. Político de filiação independente (um pedido de Sutherland para os produtores), Kirkman nunca foi oficialmente eleito para um cargo público. Conquistou a posição, que nem queria muito, por ser um arquiteto progressista com ótimos projetos habitacionais voltados para populações de baixa renda. No dia do discurso do Estado da União, Kirkman fica sabendo que seus projetos não serão citados pelo presidente. E mais, na manhã seguinte, segundo o chefe do Gabinete, o presidente planeja pedir para que o secretário se desligue do cargo. Em sua última noite no governo, Kirkman tem derradeira missão: assumir a função que dá título a série, a do sobrevivente designado.

Durante o discurso do Estado da União, no qual todos os integrantes da alta cúpula de Washington está presente no Capitólio para ouvir o presidente, um integrante do Gabinete é escolhido para ficar para trás e ser o sobrevivente designado. Na eventualidade de que algo catastrófico aconteça e impossibilite o presidente, o vice e outros sucessores, o sobrevivente, também conhecido como candidato designado, está protegido para dar continuidade ao governo. Andrew Cuomo, governador de Nova York, por exemplo, cumpriu a função duas vezes durante o governo do presidente Bill Clinton, do qual fazia parte na função de secretário da Habitação.

Kirkman (Sutherland) e a mulher (McElhone) com o redator de discursos Seth Wright (Kal Penn) em uma das salas da Casa Branca. (Foto: /ABC)
Kirkman (Sutherland) e a mulher (McElhone) com o redator de discursos Seth Wright (Kal Penn) na Casa Branca. (Foto: Ben Mark Holzberg/ABC)

No caso de Kirkman, oficialmente o 12o. nome na linha sucessória, todas essas posições são galgadas quando o Capitólio é totalmente destruído por uma bomba e “a águia” (o presidente americano) é declarada abatida. Sob proteção do serviço secreto, usando moletom com capuz, jeans, tênis branco e óculos, Kirkman é rapidamente levado para a Casa Branca, onde se vê na posição de um presidente acidental, totalmente inexperiente.

O lado banana do novo presidente é logo sentido com diálogos divertidos (e duvidosos) como “tire esse moletom, cara: você é a porra do presidente agora” ou “melhor eliminar esses óculos, eles não parecem presidenciais”. Quando pergunta ao responsável pelos códigos nucleares se precisa escanear suas digitais para ter acesso à maleta, esse escuta um “não, senhor presidente, isso é clichê dos filmes de Hollywood”.

O presidente Kirkman (Sutherland) vira Jack Bauer e enfrenta o embaixador do Irã no salão oval da Casa Branca. (Foto: Ben Mark Holzberg/ABC)
O presidente Kirkman (Sutherland) vira Jack Bauer e enfrenta o embaixador do Irã (Elias Zarou) no salão oval da Casa Branca. (Foto: Ben Mark Holzberg/ABC)

Humilhado ao ser chamado de “presidente de figuração” na frente de seu novo staff por um general responsável pela segurança da transição, Kirkman começa a ficar bem Bauer. A transformação é completamente sentida mais tarde, quando, no Salão Oval, Kirkman joga duro com o embaixador do Irã, cujo governo se aproveita da vulnerabilidade dos Estados Unidos pós-atentado e manda seus navios bloquearem o Estreito de Ormuz, impedindo o traslado de petróleo.

Ajudando a investigar o ataque terrorista está a agente do FBI, Hannah Wells (a atriz Maggie Q) com “passagem recente em Paris e Bruxelas”. E assessorando diretamente o presidente, está Seth Wright, redator de discursos presidenciais interpretado por Kal Penn, que fez o chapadão Kumar da comédia cult “Madrugada Muito Louca”.

Hannah Wells (Maggie Q) é uma agente do FBI que ajuda na investigação do atentado terrorista. (Foto: Ian Watson/ABC)
Hannah Wells (Maggie Q) é uma agente do FBI que ajuda na investigação do atentado terrorista. (Foto: Ian Watson/ABC)

Penn, que tirou dois anos de férias da vida artística, período em que se juntou ao governo Barack Obama, na função de diretor adjunto de Relações Públicas, também funciona como consultor da série. Em entrevista ao programa “Good Morning America”, Sutherland explicou que Penn corrigiu certas cenas que colocavam pessoas que jamais transitariam pelos corredores da Casa Branca, e também o posicionamento de agentes do Serviço Secreto. Uma cena que Penn nunca presenciou num dos banheiros da Casa Branca, e que não conseguiu eliminar da série: esbarrar com o presidente vomitando num cubículo, por este se sentir inseguro no novo cargo.