Com êxito, rede NBC revitaliza o ato de chorar na frente da TV
Com predileção por histórias ambientadas em tribunais de justiça, sobre médicos sexy fazendo plantões em hospitais, por aventuras de super-heróis e investigações criminais sofisticadas, fazia muito tempo que as grandes emissoras da TV americana não se aventuravam em oferecer ao público um programa sobre dramas de gente como a gente, de olho em fazer muita gente chorar. Em maio, essa carência na grade televisiva da TV aberta ficou bem evidenciada quando a rede NBC disponibilizou em sua página no Facebook o trailer de um futuro seriado, “This Is Us” (Isto é a gente). A reação pegou todo mundo de surpresa: 50 milhões de pessoas assistiram ao trailer.
Na noite de ontem (20), a espera por “This Is Us” finalmente terminou. O seriado foi ao ar, sendo saudado pelo jornal Los Angeles Times como um dos “melhores pilotos desta nova temporada da TV”. O crítico do The New York Times não conseguiu engolir muito bem a manipulação das emoções. “Assistir ao programa é como ser alvejado por um travesseiro embebido em lágrimas”, escreveu.
Descontados os clichês, “This Is Us” manda bem dentro do gênero “catarse emocional”. Os diálogos são eficientes e sua trama de histórias interligadas (no estilo dos filmes “Crash – No Limite”, de Paul Haggis, e “Short Cuts – Cenas da Vida”, de Robert Altman) é bem arquitetada e amarrada. O elenco, sem nomes espalhafatosos, é extremamente convincente; e a trilha sonora, que inclui músicas mais contemplativas de Sufjan Stevens e Labi Siffre, ajuda a criar o climão necessário. Para coroar o estilo novelão, a série ainda tem uma grande revelação, apresentada no final de sua primeira hora de exibição. (Este texto prossegue sem conter nenhum grande spoiler.)
“This Is Us” começa com uma informação tirada de um verbete da Wikipedia. Cerca de 18 milhões de pessoas dividem o mesmo dia de aniversário. Mas não existem provas científicas de que a data crie qualquer elo de comportamento por entre os aniversariantes do dia.
Na série, quatro são os personagens que celebram o níver, todos eles baseados em Pittsburgh, na Pensilvânia. Jack (Milo Ventimiglia) mal tem tempo de apagar a velinha em cima do cupcake, quando a bolsa da mulher (Mandy Moore), grávida de trigêmeos, estoura. A gestação foi de alto risco. Ao chegar ao hospital, o médico que monitorava todo o drama estava ausente (crise de apendicite). Um outro médico, um avô de 73 anos (ótima interpretação do ator Gerard McRaney), assume a função, tentando reconfortar Jack, marido extremamente cuidadoso.
Com uma festa rolando na beira da piscina e duas strippers o atiçando na cama, o ator-galã Kevin (Justin Hartley) celebra seu aniversário sem muita empolgação. Seu último trabalho, o sitcom “Manny” (O babá) é um desses programas de TV vexatórios que obriga o ator a passar 90% do tempo sem camisa, a fim de exibir o tanquinho. Para piorar, o diretor do sitcom detesta Kevin e o humilha na frente do público que acompanha as gravações ao vivo no estúdio.
Kevin precisa interromper suas “festividades” para ajudar a irmã gêmea que, ao subir numa balança instalada no banheiro, escorregou e torceu o tornozelo. Ao contrário do irmão de anatomia perfeita, Kate (Chrissy Metz) é morbidamente obesa. Sua geladeira é repleta de bilhetinhos de desencorajamento, afixados aos produtos altamente calóricos. No dia do aniversário, dando um basta em sua compulsão, Kate decide frequentar uma reunião dos comilões anônimos e jogar toda a comida fora. Com medo de ter uma recaída e pegar a comida de volta do lixo, pede à vizinha, que passeia o cachorro na rua, pelo saquinho de cocô recém-recolhido, que ela, então, despeja em cima de bolos, sorvetes e pacotes de marshmallow.
Randall (interpretado por Sterling K. Brown, que, no domingo (18) venceu o Emmy de melhor ator coadjuvante pela série “American Crime Story – O Povo contra O.J. Simpson”) interpreta um executivo bem sucedido, que foi criado por pais adotivos. Com a ajuda de um detetive particular, Randall consegue finalmente descobrir o paradeiro do pai biológico (Ron Cephas), que o abandonou, quando era ainda recém-nascido, na porta da sede de um corpo de bombeiros da cidade.
O criador de “This Is Us” é Dan Fogelman, diretor da comédia de Hollywood “Amor à Toda Prova”, com Ryan Gosling e Emma Stone. Sem que muita gente consiga perceber, Fogelman, que também escreveu o primeiro episódio, dá uma pista do enigma que interliga as quatro histórias, já no início do programa. Em sua resenha, o crítico do New York Times deu uma trégua aos ataques contra os clichês e chamou o clímax da série de “lindo”. “Terminei o seriado me sentindo manipulado, e disposto a assistir, pelo menos, ao segundo episódio.”