Seriado de Oprah Winfrey aborda sutilmente o ‘Black Lives Matter’
Ninguém diz não a Oprah Winfrey. E foi deixando de lado uma proposta que tinha para dirigir um novo filme de superheróis da Marvel, o “Pantera Negra”, que a ex-assessora de imprensa e agora cineasta de sucesso, Ava DuVernay, foi parar na TV. Ela é a produtora-executiva e diretora dos dois primeiros episódios de “Queen Sugar” (Rainha do Açúcar), série lançada na noite de terça (6) nos EUA. Trata-se da mais ambiciosa produção do canal de TV de Oprah, o Own, que, desde seu lançamento há cinco anos, nunca criou conteúdo dramático que produzisse discussão.
DuVernay vinha do sucesso de um filme que, sim, gerou muita discussão e foi um dos precursores do hashtag #Oscarssowhite (Oscar tão branco): “Selma – Uma História Pela Igualdade”, estrelado por David Oyelowo (e também com participação de Oprah) sobre uma das marchas mais eficazes comandadas por Martin Luther King (1929-1968), no estado americano do Alabama, para assegurar o direito de voto dos negros na primeira metade da década de 60. Com diretora, roteirista e ator esnobados pelo Oscar 2015 (o filme recebeu uma indicação para a estatueta de melhor produção do ano e venceu a de canção), fãs se revoltaram e o debate pela falta de diversidade em Hollywood (termo que DuVernay execra) foi aberta.
Entre rodar o documentário inédito, o “13th Hour”, sobre como os Estados Unidos criaram a maior população encarcerada do mundo e que vai ser o filme de abertura do Festival de Nova York, no dia 30 de setembro, e assumir o projeto da Disney, “A Wrinkle in Time”, baseado no livro-fantasia de “Uma Dobra no Tempo”, de Madeleine L’Engle, que a transformará na primeira cineasta negra a dirigir um filme com orçamento ao norte dos US$ 100 milhões, DuVernay aceitou o convite de Oprah para criar uma série de TV. E ela promete agora, sutilmente, abordar outro hashtag de protesto, o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam).
“Queen Sugar” é baseado no livro homônimo de Natalie Baszile, lançado em 2014. Conta a história de duas irmãs e um irmão, desentrosados, todos interpretados por atores fotogênicos, que, depois da morte do pai, precisam decidir o futuro da fazenda de cana de açúcar dele no estado americana da Louisiana.
A atriz Rutina Wesley, nome mais conhecido do elenco – ela foi a Tara de “True Blood” – interpreta uma das irmãs, Nova Bordelon. Ela é jornalista do matutino New Orleans Daily News, tem pretensões de ser curandeira e trafica maconha. Nova aparece na primeira cena da série, deixando a cama do amante, um investigador policial branco e casado.
Charley (Dawn-Lyen Gardner), a outra irmã, mora em Los Angeles, é bem sucedida, trabalhando como manager do marido, Davis West (Timon Kyle Durrett), famoso jogador de basquete profissional. Sua vida de almoços com amigas elegantes em restaurantes chiques é alterada quando, um website similar ao TMZ, publica vídeo em que o marido dela e vários outros jogadores do time entram num quarto de hotel com uma menor de idade, que depois os acusa de estupro.
Ralph Angel (Kofi Siriboe), o irmão, tem passado criminal. Ele é apresentado na série, deixando Blue (Ethan Hutchinson), o filho de cinco anos, sozinho num playground, para assaltar uma loja de conveniência. Parte do dinheiro roubado é usado para organizar a festa de aniversário do garoto. O resto é destinado para o pai (antes deste ter um derrame cerebral) consertar o motor do trator da fazenda.
“Queen Sugar” é um novelão simples e convencional, com mais generosidade na duração das cenas. A ausência de edição mais frenética, como é de praxe no gênero, se deve ao fato de, pelo menos nos primeiros dois episódios, os 58 minutos deles serem desprovidos de inserções comerciais. “É um director’s cut”, disse DuVernay. Mais tempo para cenas nem sempre traduz em qualidade. O crítico do jornal The New York Times, por exemplo, implicou com sequências passadas numa quadra de basquete e na redação de um jornal, chamando-as de “genuinamente consumidas de preguiça”. “A pessoa que escreveu (as cenas) não sabe muito bem como funciona uma redação de jornal”, disse o crítico.
DuVernay e Oprah jamais poderão ser criticadas pela falta de diversidade da série, termo que Oprah também abandonou recentemente (“o retirei de meu vocabulário porque Ava me ensinou outra palavra que expressa o que aspiramos: a inclusão”, disse a apresentadora). Todos os 13 episódios da primeira temporada são dirigidos por mulheres, um total de seis cineastas, entre elas várias negras (Tanya Hamilton e Neema Barnette, entre outras) e uma estrangeira – So Yong Kim, coreana baseada em Los Angeles e que dirigiu o filme independente “Lovesong”.
Temas raciais atuais não faltam, apesar de DuVernay privilegiar mais a sensualidade dos personagens que conteúdo social no capítulo de estreia. No terceiro episódio, fazendeiros negros se encontram com banqueiros locais para expressarem a preocupação de que são tratados diferentemente dos brancos. No piloto da série, a jornalista Nova aparece brevemente escrevendo um artigo sobre o fato de o uso da brutalidade pela polícia da Louisiana contra a população ter triplicado. Cenas de agressão policial e de tratamento na prisão serão apresentadas na trama, mas, segundo Ava, de “maneira elegante, sem martelar as pessoas na cabeça com um ‘vamos fazer uma cena de passeata’”. Em entrevista à revista The Hollywood Reporter, a cineasta explicou que “pretende desmantelar – para as pessoas de fora da comunidade (negra) – o que (o movimento) Black Lives Matter realmente significa”.