Exposição apresenta o “planeta” Burle Marx aos americanos

Na sexta-feira (6), o arquiteto-paisagista Roberto Burle Marx (1909-1984) ganha uma retrospectiva em Nova York. Até 18 de setembro, o Jewish Museum (Museu Judaico), com sede no Upper East Side, em Manhattan, exibe quadros, maquetes de jardins, tapeçaria, vitrais, vasos, azulejos, capas de livros, colares e ilustrações do artista. Trata-se de uma produção tão prolífica – e de formas e estilos artísticos tão diversos – que Claudia J. Nahson, co-curadora da exposição, na tarde de segunda (2), um dia antes da exposição ser apresentada à imprensa, recebia telefonemas de colecionadores. “A última ligação foi de uma pessoa que tinha uma jóia desenhada por Burle Marx e queria saber se podíamos inclui-la na mostra”, explicou a curadora, que declinou a oferta. “Tem sido assim, pessoas nos oferecendo os mais variados tipos de trabalhos de Burle Marx”, completa Jens Hoffmann, o outro curador da exposição.

O salão do Jewish Museum com a peça em tapeçaria de 21.35 metros, comissionada pela prefeitura de Santo André, em 1969, ao fundo. (Foto: David Heald)
O salão do Jewish Museum com a peça em tapeçaria de 26.3 m de largura, comissionada pela prefeitura de Santo André, em 1969, ao fundo. (Foto: David Heald)

Com 200 trabalhos de Burle Marx e três anos de preparativos, a mostra “Roberto Burle Marx: Brazilian Modernist” (modernista brasileiro) do Jewish Museum detem agora o crédito de ser a primeira grande retrospectiva do artista nos Estados Unidos, com direito a um livro-catálogo (US$ 50), escrito e editado pela dupla de curadores e que põe em perspectiva para o público internacional o trabalho de Burle Marx, além de apresentar alguns de seus seguidores. A mesma exposição, patrocinada pelo Deutsche Bank, segue em julho de 2017 para Berlim. Em novembro de 2017 (e até março de 2018), ela será apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio.

O paisagista Roberto Burle Marx segurando uma Heliconia hirsuta burle marx ii, planta batizada com seu nome. (Foto: Tyba)
O paisagista Roberto Burle Marx segurando uma Heliconia hirsuta burle marx ii, planta batizada com seu nome. (Foto: Tyba)

Embora Burle Marx tenha criado e supervisionado mais de 2 mil projetos de paisagismo internacionais, outras facetas da versatilidade artística dele ainda continuam totalmente desconhecidas nos Estados Unidos, sendo raramente discutidas na mídia. “Ainda tendemos a ser míopes em se tratando da arte moderna que vem de fora”, explica Hoffmann. “Mas existe atualmente uma maior seriedade em explorar o modernismo fora da América do Norte ou da Europa, sem aquela ênfase total no fetichismo e exotismo pelo quais o movimento costuma ser visto”. Nos últimos meses, o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, confirmou essa tendência, organizando duas exposições que “linkavam” também o trabalho de Burle Marx: “Lygia Clark: The Abandonment of Art, 1948–1988” (organizada em 2014) e “Latin America in Construction: Architecture 1955–1980” (exibida no ano passado).

O jardim suspenso da sede do Banco Safra, em São Paulo. (Foto: Ivan Finotti)
O jardim suspenso da sede do Banco Safra, em São Paulo. (Foto: Ivan Finotti)

A curadora Claudia descreve os diversos estilos de Burle Marx como “um planeta dentro de si próprio”. Exemplos desses mundos do paisagista estão por todos os lados do museu. São fotos do calçadão da praia de Copacabana; desenhos do Arco da Lapa; um auto-retrato, retratos do pai (o judeu alemão Wilhelm Marx) e da mãe (a católica Cecília) e telas inspiradas por Henri Matisse, Cândido Portinari e pelo movimento Cubista.

Também expostas estão maquetes para o Ministério da Saúde e Justiça, do Rio de Janeiro, desenhos com a perspectiva do Parque do Flamengo, do jardim suspenso da sede do Banco Safra, em São Paulo, do Parque Del Este, em Caracas, e o design de um mural que Burle Marx criou para o lobby do prédio (projeto do arquiteto austro-americano Richard Neutra) Amalgamated Clothing Workers of America, em Los Angeles. Boa parte dos itens expostos na retrospectiva vieram do sítio do artista em Guaratiba, no Rio.

Parte da tapeçaria criada por Burle Marx para a prefeitura de Santo André; ao fundo quadros do paisagista inspirados por Henri Matisse e Cândido Potinari. (Foto: Marcelo Bernardes)
Parte da tapeçaria criada por Burle Marx para a prefeitura de Santo André; ao fundo quadros do paisagista inspirados por Henri Matisse e Cândido Potinari. (Foto: Marcelo Bernardes)

A maior obra da exposição ocupa toda a grande parede do amplo salão do Jewish Museum. Trata-se de um item de tapeçaria em lã, de 26,38 m de largura por 3,27m de altura, comissionado pela prefeitura da cidade de Santo André. Permanentemente exposta no Salão Nobre do Paço andreense, na região do ABC Paulista, a obra agora está fazendo sua segunda viagem internacional (a primeira foi para Paris) desde sua criação em 1969. “Trata-se de uma de minhas peças favoritas. Não somente pelo tamanho colossal, mas pela concentração harmoniosa de estilos de Burle Marx, como o design, pintura e arquitetura”, diz Hoffmann.

Parte do salão do Jewish Museum, com desenhos de parques não realizados em Washington D.C. e Miami em primeiro plano. (Foto: Marcelo Bernardes)
Parte do salão do Jewish Museum, com desenhos de parques não realizados em Washington D.C. e Miami em primeiro plano. (Foto: Marcelo Bernardes)

Os diversos estágios do mais importante projeto de Burle Marx nos Estados Unidos, o calçadão e jardins do Biscayne Boulevard, em Miami Beach, estão documentados na exposição. Há também curiosidades como os projetos não executados do jardim da Organização dos Estados Americanos, na capital americana de Washington D.C., em parceria com o paisagista nascido na Itália e criado na Suíça e Brasil Conrad Hamerman.

O calçado do Biscayne Boulevard, em Miami Beach, o maior projeto americano do paisagista. (Foto: Burle Marx Landscape Design Studio, Rio de Janeiro)
O calçadão do Biscayne Boulevard, em Miami Beach, o maior projeto americano do paisagista. (Foto: Burle Marx Landscape Design Studio, Rio de Janeiro)

Outro projeto americano que não saiu do papel foi o da casa de praia do casal Burton e Emily Hall Tremaine, na cidade de Santa Barbara, na Califórnia. Alguns desenhos e maquetes mostram a beleza modernista da obra, cancelada depois que o arquiteto Oscar Niemeyer, parceiro de Burle Marx no projeto, abortou sua viagem aos Estados Unidos no final dos anos 40 por conta de sua filiação com o Partido Comunista. Os altos custos de um projeto supervisionado à distância fizeram com que o casal Tremaine optasse por Richard Neutra para concretizar o projeto.

Maquete de projeto (não realziado) de casa de praia na cidade de Santa Barbara, na Califórnia, que seria feito em parceria com Oscar Niemeyer, que se recusou a visitar os Estados Unidos em 1948. (Foto: Marcelo Bernardes)
Maquete de projeto (não realizado) de casa de praia na cidade de Santa Barbara, na Califórnia, que seria feito em parceria com Oscar Niemeyer, que se recusou a visitar os Estados Unidos em 1948. (Foto: Marcelo Bernardes)

A homenagem à religião do pai ganha destaque na exposição, com itens nunca antes exibidos. Uma maquete de quatro pilares da sinagoga Congregação Judaica do Brasil, no Rio, foi o derradeiro projeto do artista, em 1994. O Jewish Museum apresenta os desenhos de oito vitrais (não executados) da sinagoga Beit Yaakov, no Guarujá, 1985, e os esboços do projeto para o “Jardim da Árvore da Vida”, inspirado nos ensinamentos da Cabala, que seria construído em Jerusalém.

O design (não executado) de oito vitrais para a Sinagoga Beit Yaakov, no Guarujá, 1985. (Foto: Cortesia Banco Safra, São Paulo)
O design (não executado) de oito vitrais para a Sinagoga Beit Yaakov, no Guarujá, 1985. (Foto: Cortesia Banco Safra, São Paulo)

Jens Hoffman credita sua introdução ao “riquíssimo universo de Burle Marx” à artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster, em 1999, época em que trabalharam juntos em uma exposição apresentada em Barcelona. Quando os curadores do Jewish Museum bateram o martelo a respeito da retrospectiva de Burle Marx e começaram a fazer visitas ao Brasil, se depararam com a influência do paisagista na obra de artistas contemporâneos e de diversas mídias. A exposição analisa sete deles, incluindo a francesa Dominique.

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São eles: o pintor venezuelano baseado em Lisboa Juan Araujo, a escultura paulista Paloma Bosquê, a fotógrafa italiana Luisa Lambri, o artista nova-iorquino Nick Mauss, o músico americano Arto Lindsay (que criou três composições musicais especialmente para a exposição) e a artista carioca Beatriz Milhazes, esta última com a instalação “Gamboa”, série de cinco esculturas suspensas e comissionadas para o lobby do museu, apresentada concomitantemente com a exposição do paisagista até 18 de setembro. “O mais importante legado deixado por Burle Marx foi o que ele fez para proteger a natureza com seus designs e arte, e que seres humanos podem comunicar-se com a natureza sem destruí-la”, diz Milhazes em entrevista para o livro da exposição.

Instalação suspensa "Gamboa", da artista carioca Beatriz Milhazes, no lobby do Jewish Museum. (Foto: Marcelo Bernardes)
Instalação suspensa “Gamboa”, da artista carioca Beatriz Milhazes, no lobby do Jewish Museum. (Foto: Marcelo Bernardes)