Candidatos à Casa Branca enfrentam o pior inimigo: Nova York

Marcelo Bernardes

Na semana passada, assessores de John Kasich, o governador do estado de Ohio e um dos três pré-candidatos republicanos ainda na disputa da Casa Branca, resolveram agendar um pit stop para ele na pizzaria Gino’s, no bairro do Queens, em Nova York. Lá, enquanto comia um pedaço de pizza, Kasich conversou com diversos membros da mídia, e posou para as eventuais fotos a serem usadas nos jornais do dia seguinte.

Como Kasich e seus assessores viriam descobrir mais tarde, nova-iorquinos tendem a ser extremamente meticulosos a respeito de suas fatias de pizza. Muitos até acreditam que a iguaria recoberta de queijo e molho de tomate foi inventada por esses lados. Outros vangloriam-se que Nova York é a casa da melhor pizza do mundo. Existe também o jeitinho todo especial de devorá-la: segurando a pizza com a própria mão ou com um pratinho de papel, desses de servir bolo em festinha da firma. Nunca com guardanapos. Ah, e é necessário dobrar a pizza para comê-la.

Não levou muito tempo, depois da passagem de Kasich pela Gino’s, para que as imagens dele comendo um pedaço de pizza com garfo e faca caíssem no fórum impiedoso das mídias sociais e fossem até discutidas por jornais sérios como o New York Times e debatidas em programas de notícias exibidos em rede nacional. “Como você lida com uma pessoa que come pizza com garfo e faca?” perguntou um repórter do programa “Today”, da rede NBC, à sua co-âncora Savannah Guthrie. “Geralmente deixo de falar com a pessoa”, respondeu ela.

Na manhã seguinte, entre discussão de tópicos como os ataques terroristas em Bruxelas e sua opinião sobre aborto, o governador Kasich foi inquirido pelo apresentador George Stephanopoulos, do programa “Good Morning America”, da rede ABC, sobre seu faux pas gastronômico. “Veja, veja, a pizza chegou pegando fogo, OK? Então usei um pequeno garfo”, respondeu o candidato. “Minha mulher chegou a dizer ‘estou orgulhosa: você finalmente aprendeu a usar um talher'”.

Partidarismo à parte, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, que é liberal democrata, entrou na farra, fazendo uma brincadeira com o governador conservador em sua conta do Twitter. Ele postou um foto de 2014, em que também aparecia comendo uma pizza com garfo e faca num restaurante da cidade: “Eis uma coisa com a qual concordo com John Kasich”, tuítou o prefeito. Naquele dia de 2014, de Blasio, que é nova-iorquino da gema (nasceu em Manhattan) e deveria saber melhor sobre os costumes locais, foi motivo de chacota no programa “The Daily Show”, de Jon Stewart: “Filho da puta”, gritou Stewart, olhando para a câmera, depois de apresentar o clipe da gafe da pizza do prefeito.

O prefeito de Nova York Bill de Blasio tuíta sobre a gafe de John Kasich. (Foto: Reprodução)
O prefeito de Nova York Bill de Blasio tuíta sobre a gafe de John Kasich. (Foto: Reprodução)

Kasich aprendeu rapidinho que Nova York, cujas prévias partidárias acontecem no dia 19 de abril, não é pega-leva como uma cidade do interior de Ohio ou da Carolina do Norte, onde ele e todos seus oponentes fizeram comícios. Centro pulsante da mídia americana, com exarcebada convicção política liberal e uma população astuta, metida a cool, difícil de ser enganada ou de se impressionar à toa, Nova York é a parada mais complicada para os candidatos.

Que o diga o ultraconservador senador pelo Texas Ted Cruz. Até na manhã de quarta-feira (6), Cruz encontrava-se nas nuvens com o fato de ter derrotado o concorrente Donald Trump nas primárias de Wisconsin, um dia antes, com robusta vantagem de 13% dos votos, o que injetou mega dose de ânimo em sua campanha. Ao desembarcar em Nova York e ir fazer campanha no bairro do Bronx, com grande população de latinos e negros, foi saudado pelos locais com extrema animosidade. “O senhor não tem nada a tratar aqui”, vociferou um manifestante que comia no restaurante visitado pelo candidato. “O senhor está concorrendo sob uma plataforma anti-imigrantes, e o senhor vem fazer campanha no Bronx? O senhor não deveria estar aqui”, disse o manifestante, um músico latino.

Cruz não ficou no Bronx por muito tempo como era o esperado pelos assessores que traçaram sua agenda do dia. Uma visita a uma escola local foi cancelada, depois que os estudantes escreveram uma carta ao diretor da instituição, chamando Cruz de “misógino, homofóbico e racista”. Os alunos também ameaçaram se mandar da escola quando o candidato chegasse.

Cruz realmente não tem “business” a tratar em Nova York. Nas pesquisas de intenção de votos para a primária do estado do dia 19, ele, e não o lanterninha-emérito Kasich, está em terceiro lugar. Em janeiro, Cruz cutucou o vespeiro ao criticar Trump durante debate dos republicanos, dizendo que o empresário “encarna os valores de Nova York”. Em subsequentes comícios, Cruz continuou a criticar os tais “valores”. “Todo mundo entende quais são os valores da cidade de Nova York: socialmente liberais, pró-aborto e pró-casamento gay. E eles são focados demais em dinheiro e na mídia”. Diante das críticas, o jornal nova-iorquino Daily News estampou em sua capa um desenho da Estátua da Liberdade fazendo um gesto obsceno com o dedo contra Cruz e sob a manchete: “Caia Morto, Ted”.

"Caia Morto, Ted" foi a manchete do jornal Daily News depois das críticas do senador Cruz aos "valores" liberais de NY. (Foto: Reprodução)
“Caia Morto, Ted” foi a manchete do jornal Daily News depois das críticas do senador Cruz aos “valores” liberais de NY. (Foto: Reprodução)

Na tarde desta quinta (7), Cruz, em campanha pelo Brooklyn, foi um pouco melhor recebido ao visitar uma fábrica de matzá e ajudar os judeus hassídicos, donos do estabelecimento, no preparo do pão. Cruz também prometeu criar uma lei para devolver peças de arte roubadas pelos nazistas a seus verdadeiros donos. Mas outra porrada surgiria logo depois. O ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, que é republicano, disse, em entrevista ao jornal New York Post, que iria votar em Trump, e não em Cruz, nas primárias do estado. “Trata-se de Nova York. Nós somos uma família. A gente pode fazer piadas de Nova York. Mas você, não”, disse Giuliani, atacando as declarações de Cruz.

Todos os outros três candidatos da corrida presidencial, o republicano Donald Trump e os democratas Hillary Clinton e Bernie Sanders dividem uma ligação com Nova York. Trump e Sanders são nova-iorquinos da gema. Trump nasceu no Queens; Sanders, no Brooklyn, antes de se mudar para Vermont, estado que agora representa como senador. A ex-secretária de estado Hillary Clinton nasceu em Chicago e, depois da gestão presidencial de seu marido Bill Clinton, fixou residência na cidade de Chappaqua, a 50 minutos de distância do centro de Manhattan, elegendo-se senadora pelo novo estado de adoção. Nem por representarem Nova York e “seu valores”, esses candidatos não cometem ratas.

Em entrevista ao jornal Daily News na sexta (1), Bernie Sanders caiu na pegadinha de um jornalista esperto, que lhe perguntou como “se toma um metrô na cidade hoje em dia”. “Ué, você coloca a moedinha (na catraca da estação) e entra”, respondeu o senador, que se mudou da cidade em 1968, quando tinha 27 anos.

Os tokens (moedas), forma de se pagar pelas viagens de metrô por durante 50 anos, foram abolidas em 2003, quando o cartão digital “metrocard” entrou em vigor. Na manhã de hoje (7), Hillary, em campanha no Bronx, deu uma estocada no fiasco da declaração do oponente. “Eu acho que foi durante minha primeira gestão como senadora (iniciada em 2001) que mudamos do token para o metrocard”, disse Hillary aos repórteres, finalizando o comentário com sua famosa risada alta.

Coincidentemente, a declaração de Hillary no Bronx foi dada depois que ela tomou a linha 4 do metrô para chegar ao local. No vagão, ela pediu para alguns usuários darem uma “espremida” para o grupo dela e uma equipe da TV caberem, e ainda falou que “ama” andar de transporte público “É tão conveniente. É o melhor jeito de se chegar aos lugares.”

A vingancinha da candidata contra Sanders não saiu como o esperado. Câmeras de TV que a seguiam ao entrar na estação, flagraram Hillary tendo dificuldades em passar seu metrocard pelo leitor de cartão magnético da catraca. Ela tentou cinco vezes antes de o cartão ser finalmente aceito. “No final são as ideias políticas e promessas desses candidatos que contam”, disse o professor Chris Malone à rede CBS. “Mas essas gafes mostram como eles não entendem nada de como as pessoas comuns da cidade vivem”.

Hillary Clinton, nesta quinta (7), tendo dificuldades de passar o cartão do metrô pela catraca. (Foto: Reprodução)
Hillary Clinton, nesta quinta (7), tendo dificuldades de passar o cartão do metrô pela catraca. (Foto: Reprodução)