Louis C.K. dá uma de Beyoncé e surpreende fãs com série nova
Na manhã de sábado (30), o comediante e roteirista Louis C.K. fez o que ninguém remotamente esperava: lançou o primeiro capítulo de um novo seriado on-line: “Horace and Pete”. “Vai aqui para assisti-lo. Esperamos que vocês gostem”, escreveu C.K. num email-newsletter destinado aos fãs cadastrados em seu website louisck.net.
C.K. escreveu, produziu, dirigiu, além de assumir um dos papeis principais do seriado, ao lado do ator Steve Buscemi. Como bem descreveu o crítico do jornal “The New York Times”, que também não sabia do lançamento, tudo foi “bem estilo Beyoncé”, comparando a estratégia de C.K. com o lançamento-surpresa do quinto álbum da cantora, 12 dias antes do natal de 2013, sem qualquer aviso prévio oficial.

Tivesse anunciado antes e submetido o programa aos auspícios da gigantesca máquina de promoção usada pela indústria de entretenimento americana, C.K., talvez, não pudesse estar cabendo em si nos últimos dias: “Horace and Pete” é caoticamente e neuroticamente brilhante. Custa US$ 5 para ser baixado e funciona como uma inesquecível noite numa bem produzida peça da Broadway, pela qual o público costuma torrar salgados US$ 120. E ainda tem música nova de Paul Simon durante os créditos finais.
Filmado em estilo peça teatral, com luz natural e raríssimos cortes, “Horace and Pete” é uma espécie de encontro entre o seriado de TV “Cheers” (90% das cenas se passam num bar) com uma peça de Tennessee Williams (1911-1983), com dramas pessoais turbinados por uísque. Homofobia, racismo, política, críticas a gente obesa e até uma tirada contra os hipsters do Brooklyn pipocam durante os 67 minutos de diálogo.
C.K. e Buscemi são respectivamente Horace e Pete, irmãos sócios de um bar no bairro nova-iorquino do Brooklyn e que se encontra em operação desde 1916. Durante esses cem anos de funcionamento, o bar foi passando de mão e mão, via acordo de cavalheiros e nunca legalmente registrado, entre outros Horaces e Petes da família. Um dos Petes antigos é interpretado por Alan Alda (roubando a cena). Ele vem a ser o tio de Horace e de Pete. Durante boa parte desse centenário, ficamos sabendo, que os vários donos do local, vinham misturando água no uísque para obter mais lucro. “Se não tivesse feito isso, meus clientes estariam mortos. Eles não são clientes: são alcoólatras”, diz o politicamente incorreto Tio Pete de Alda. Ele também tem nomes para os negros que farão Spike Lee torcer o nariz.

O debate da autenticidade dos verdadeiros donos do bar é o que cria a espinha dorsal deste drama. Sim, estamos mais para drama aqui do que para comédia. Louis C.K. está ficando cada dia deliciosamente mais amargo, vide a nova série dele, “Baskets”, estrelada por Zach Galifianakis e que estreou na TV americana há duas semanas. (Leia mais sobre ela aqui.)
Sylvia (Edie Falco), irmã de Horace e Pete, chega ao bar com seu advogado gay para avisar que o Tio Pete não tem direito legal ao estabelecimento e que ela pretende vender o bar e dividir o dinheiro somente entre os irmãos “perdedores”.
O Horace de C.K. é casado com a atriz inglesa Rebecca Hall (em sotaque americano) e vive no apartamento que fica acima do bar. A filha dele é Alice (Aidy Bryant, comediante da atual temporada do humorístico “Saturday Night Live”), jovem obesa que odeia o pai. O Pete de Buscemi é um homem com problemas mentais que, logo no começo da trama, passa a agir estranhamente. Ele revela ao irmão, que por causa de problemas com seu plano de saúde, não renovou a receita do medicamento que mantinha o seu lado psicótico sob controle.

Todos os fregueses do bar, inclusive aqueles que são enxotados (com a vassoura), em determinado momento, pelo Tio Pete, têm forte opinião a respeito de raça, sexualidade e do atual circo da política americana. À propósito, podemos chamar o seriado de futurista até terça-feira (2), pois a ação se passa um dia após o caucus de Iowa, evento eleitoral que ajuda a pré-definir os candidatos dos partidos Republicano e Democrata à Casa Branca e que acontece nesta segunda (1). “Hillary Clinton é uma vaca, e eu me considero liberal”, solta a personagem interpretada por Jessica Lange, uma bebum azeda que foi ex-namorada do Tio Pete e que ninguém suporta.
Logo na abertura do seriado, um dos clientes do bar compra briga com Horace, que está do outro lado do balcão, servindo os drinques. A TV exibe uma reportagem da campanha dos republicanos e Horace diz que “Donald Trump é um babaca que vai foder com o país” e que ninguém deveria apoiá-lo. O freguês contra-ataca: “Talvez, votando para ele, isso queira dizer que queremos nos afundar. Então deixe a gente se afundar. O que há de tão incrível a respeito desse país?”

Outra discussão politicamente acalorada envolve um liberal e um conservador explicando, a pedido de um mediador (também chumbado), uma definição dos valores de cada grupo oposto. O liberal sobre o conservador: “Vocês são Jesus a respeito de tudo, odeiam os gays e são racistas, embora façam de conta que não. Além disso são egoístas, só pensam em dinheiro e na porra da cristandade”. O conservador sobre os liberais: “Vocês são amantes dos animais, militam a agenda gay, odeiam os brancos e se acham superior aos demais”. Imagine o que estará por vir (aparentemente) nos próximos três capítulos ainda não liberados por C.K.