Seriado “Billions” é nova ótima aposta do gênero “pornô financeiro”

Marcelo Bernardes

“Billions” (Bilhões), que estreia hoje à noite na TV americana, no canal “Showtime”, é o primeiro seriado imperdível do ano. Caso precisasse de uma distinção mais específica de gênero para descrevê-lo, ele se encaixaria numa espécie de “financial porn”, pornô financeiro. Trata-se de uma sub-categoria dramática e prematuramente revisionista da história de Wall Street da qual certas cabeças pensantes da indústria de entretenimento rapidamente se apoderaram após o estouro da bolha de crédito no mercado imobiliário do país, que provocou a grande crise de 2008, pandemônio econômico do qual o mundo ainda tenta se reerguer.

Na semana passada, a Academia de Hollywood indicou o filme “A Grande Trapaça”, sobre os financistas que previram e tomaram vantagem da crise imobiliária, a cinco prêmios Oscar, inclusive o de melhor filme que, se conquistado, garante uma estatueta dourada a um de seus produtores, o ator Brad Pitt. Em anos recentes, o Oscar também mostrou admiração por “O Lobo de Wall Street”, do cineasta Martin Scorsese, sobre a queda e reinvenção do investidor fraudulento Jordan Ross Belfort, e “Margin Call – O Dia Antes do Fim”, produção do ator Zachary Quinto sobre a pulverização de um banco de investimento durante a última quebradeira financeira.

Em 2011, o canal a cabo “HBO” adaptou “Too Big To Fail”, o livro seminal do jornalista do “New York Times”, Andrew Ross Sorkin, sobre como o gestão de Barack Obama tentou intervir na crise de Wall Street. A TV americana exibe ainda neste primeiro semestre, duas biografias de Bernie Madoff, investidor responsável por uma das maiores fraudes financeiras da história americana e cujo rosto virou tema de máscaras da parada de Halloween.

“Billions” é uma ideia original dos roteiristas Brian Koppelman e David Levien (dos filmes “Cartas na Mesa”, com Matt Damon e Edward Norton, e “Onze Homens e um Segredo”, com George Clooney e Pitt), que trabalham em parceria com Andrew Ross Sorkin, que cumpre as funções de roteirista e produtor-executivo. Espere da série diálogos espertos, factuais e com citações de nomes que figuram regularmente na coluna “Dealbreaker” do “New York Times”, da qual Sorkin é responsável. O magnata Warren Buffet, por exemplo, já é mencionado no primeiro episódio da série.

Também preparem-se para conhecer a melhor raposa de Wall Street desde o surgimento de Gordon Gekko (personagem icônico de Michael Douglas no filme “Wall Street”) em 1987. Trata-se do ruivo Bobby “Axe” Axelrod, um chefão de uma empresa de hedge fund de Connecticut, interpretado pelo ator inglês Damian Lewis.

Em "Billions", Damian Lewis cria um Gordon Gekko para novas gerações. (Foto: Showtime)
Em “Billions”, Damian Lewis cria um Gordon Gekko para novas gerações. (Foto: Showtime)

Junto com o compatriota Tom Hardy e o ator americano Michael Shannon, Lewis, que vem do sucesso das séries “Homeland” e “Wolf Hall”, forma uma trinca de intérpretes cuja intensidade e machismo intimidante surgem naturalmente. Mesmo que venham a interpretar Gandhi ou São Francisco de Assis, eles aindam assim seriam capazes de meter medo e causar pesadelos nos espectadores. Como bem notou um crítico do “New York Times”, Lewis “faz diálogos hiperdramáticos soarem orgânicos”.

Em “Billions”, o ator cria um financista com roupas menos vistosas que Gordon Gekko e também discurso menos grandioso e refinado como o famoso “Ambição É Boa”, que o cineasta Oliver Stone inventou para Gekko em 87. Mas o novato é tão implacável e cortante quanto o velho original. Em determinado momento, pedindo para que um dos investidores de sua empresa de hedge fund não lhe traga mais notícias ruins, Axelrod solta a vulgaridade: “Meu colesterol já está alto o suficiente, não venha ainda passando manteiga no meu rabo”. Por vezes, Axerold lembra personagem saído de uma peça do dramaturgo David Mamet. “Você não tem que nadar mais rápido que o tubarão. Você tem que nadar mais rápido que o cara com quem está mergulhando”, é um dos ensinamentos do personagem.

Axerold e o império (a Axe Capital) que ele construiu em Connecticut, a uma hora de Manhattan, são os objetos de desejo de Chuck Rhoades (Paul Giamatti), um procurador do governo americano para o distrito de Manhattan que encontra uma brecha para iniciar uma investigação contra o bilhardário. Assim como Lewis, Giamatti é show. Neurótico no último. O personagem é claramente inspirado em um dos heróis modernos de Nova York, o procurador Preet Bharara, que nasceu em Punjab, na Índia, e depois mudou-se com a família para os Estados Unidos. Implacável, ele é responsável por desmantelar desde quadrilhas de traficantes até políticos locais metidos em escândalos de propinas.

Neurótico, implacável, mas também chegado a uma dominação sexual, Paul Giamatti é show como um procurador do governo americano. (Foto: Showtime)
Neurótico, implacável, mas também chegado a uma submissão sexual, Paul Giamatti é show como procurador do governo americano. (Foto: Showtime)

Axelrod e Rhoades vêm de mundos diferentes. O financista é um self made man, pobretão de uma região que fica após o Bronx, que se casou com uma loira, Kate Sacker (Malin Akerman), ainda mais suburbana que ele. A fortuna de Axelrod foi construída em boa parte após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Nessa data, a empresa de investimento da qual fazia parte perdeu quase todos seus funcionários, presos em uma das torres do World Trade Center. Axerold só sobreviveu à tragédia daquela manhã pois estava em uma reunião em outra parte da cidade.

Lewis e Malin Akerman interpretam casal emergente de Nova York. (Foto: Showtime)
Lewis e Malin Akerman interpretam casal emergente de Nova York. (Foto: Showtime)

Já Rhoades vem de berço. É filho de um advogado rico e famoso do Upper West Side. Quer ser mais implacável, ético e incorruptível que o pai. No final da noite, prefere o papel de submissão sexual. A esposa dominatrix dele é Wendy (Maggie Siff, de “Mad Men”). E ela cria um conflito de interesses que poder ser problema para a batalha que o marido pretende travar: ela trabalha como terapeuta na empresa de Axelrod, motivando os investidores a serem ainda mais machos alfas.

Essa briga de gato e rato, tema central de “Billions”, faz brotar dessa obra de viés anticapitalista um lado de novelão financeiro em estilo “Dallas”, o que torna a série ainda mais viciante.

Giamatti e a esposa terapeuta/dominatrix interpretada por Siff. (Foto: Showtime)
Giamatti e a esposa terapeuta/dominatrix interpretada por Maggie Siff. (Foto: Showtime)