Bruce Willis é aterrorizado por fã número um

Marcelo Bernardes

“Eu sou sua fã número um”, diz a atriz Laurie Metcalf, ao explicar a Bruce Willis, imobilizado em um cama, quem seria aquela mulher de saia longa jeans e camisa xadrez de lenhador que o resgatou de um acidente de carro, e o colocou ali, num quarto de uma casa perdida no meio de uma floresta gelada do estado americano do Colorado. A frase proporciona gargalhadas no público que vem lotando o teatro Broadhurst, na Broadway. Ela traz lembranças de um filme de Hollywood que se tornou icônico por suas agoniantes cenas de tortura.

Laurie Metcalf e Bruce Willis em cena da peça "Misery", em cartaz na Broadway. (Foto: Joan Marcus)
Laurie Metcalf e Bruce Willis em cena da peça “Misery”, em cartaz na Broadway. (Foto: Joan Marcus)

“Misery”, peça que vem sendo encenada em esquema de pré-estreia (o lançamento oficial é no dia 15 de novembro) na Broadway, é baseada no livro de Stephen King, lançado em 1987, e que rendeu a versão cinematográfica “Louca Obsessão”. O filme, rodado em 1990 pelo cineasta Rob Reiner, foi adaptado pelo famoso roteirista William Goldman, vencedor do Oscar pelos roteiros de “Butch Cassidy” e “Todos os Homens do Presidente”. Goldman também assina essa versão teatral, fazendo apenas leves ajustes no texto. Espere, então, um repeteco do filme que lançou a atriz Kathy Bates. Ela ganhou o Oscar pelo papel da fã número um.

Marcando sua estreia na Broadway, o ator Bruce Willis interpreta o fictício escritor Paul Sheldon, criador de uma série de livros românticos estrelados pela heroína Misery Chastain. Após um acidente de carro, Sheldon é resgatado pela enfermeira psicótica Annie Wilkes (Laurie, mais conhecida por ter interpretado a melhor amiga de Roseanne Barr no sitcom “Roseanne”). Ela também vem a ser fã de carteirinha do escritor e fica horrorizada ao ler, no novo manuscrito que ele esperava entregar para sua editora em Nova York, antes de seu carro capotar durante uma tempestade de neve, que Misery, além de falar várias profanidades, morre no próximo livro da série. Annie, então, coloca o escritor sob um processo de tortura mental e física interminável.

Bruce Willis perto de fazer sua primeira escapada para fora do quarto em que é confinado em "Misery". (Foto: Joan Marcus)
Bruce Willis próximo da primeira escapada para fora do quarto em que é confinado em “Misery”. (Foto: Joan Marcus)

Por ser um clone da versão cinematográfica, “Misery” funciona também no teatro. Ambos Willis e Laurie têm a difícil tarefa de conquistar o público, após o ótimo trabalho dos atores originais do cinema. Laurie não supera o trabalho de Kathy Bates. Nem mesmo iguala. Mas também não decepciona. Sua performance é correta, psicótica e desconcertante. Willis tem a desvantagem de não poder se valer dos close-ups que ajudaram a performance de James Caan como Paul Sheldon. A turma do fundão do teatro vai ter dificuldades em ver algumas das novas nuances de Willis, principalmente quando ele está confinado na cama no começo da peça, mas o ator de Hollywood faz um bom trabalho em cena.

Movimentação na frente do teatro onde a peça "Misery" está sendo apresentada em pré-estreias. (Foto: Marcelo Bernardes)
Movimentação na frente do teatro onde a peça “Misery” está sendo apresentada em pré-estreias. A estreia oficial é dia 15 de novembro. (Foto: Marcelo Bernardes)

Como as mudanças no texto são mínimas, até a música de Liberace, músico preferido da enfermeira, é executada em cena, como no filme. Dessa vez, porém, o xerife que aparece várias vezes na porta da casa de Annie Wilkes é negro. No filme, o escritor consegue abrir a fechadura do quarto e andar pela casa na ausência da fã, ao encontrar um grampo de cabelo dela caído no chão do quarto. Agora ele usa uma peça que ele arranca da máquina de escrever, na qual ele é obrigado pela fã a escrever uma nova versão do livro.

Cenários da peça são rotátorios, enquanto Bruce Willis se descola pela casa. (Foto: Joan Marcus)
Cenários da peça são rotátorios, enquanto Bruce Willis se descola pela casa. (Foto: Joan Marcus)

No filme, as escapadas de Paul são desmascaradas por Annie, quando este deixa um pinguim de vidro cair de uma penteadeira e erra a posição ao colocar a peça decorativa de volta. Agora, ele apanha da enfermeira depois de  desligar um timer na cozinha. Os cenários são um grande trunfo da peça. Os aposentos da casa são giratórios e Willis trafega por eles, em sua cadeira de rodas, com exímia coreografia.

Fazia tempo que a Broadway não produzia um thriller clássico. Foi em 1988, que Marisa Tomei e Quentin Tarantino estrelaram uma nova montagem do texto “Wait Until Dark”, sobre uma jovem cega (no cinema, interpretada por Audrey Hepburn) que é aterrorizada em seu apartamento por dois traficantes. A culpa da ausência desse tipo de peça, segundo produtores, se deve ao fato de o público estar cada vez mais sofisticado e não se assustar tão facilmente. Mas muitos espectadores de “Misery” ainda conseguem se assustar, como da primeira vez,  com a cena mais famosa do filme, aquela em que Annie coloca um pedaço de pau entre os pés de Paul, e os quebra com duas potentes marretadas, uma de cada lado.