Loira “vira-lata” rouba a cena de Matthew Broderick na Broadway

Marcelo Bernardes

“Ei, ei, ei, ei, ei”, grita a atriz Annaleigh Ashford ao entrar em cena, e em vários outros momentos da peça “Sylvia”, lançada oficialmente na Broadway na terça-feira. Ao andar pelo Central Park, todo mundo vê que Sylvia é uma cadela vira-lata, possivelmente com traços de poodle. Mas o homem que a encontra abandonada e resolve adotá-la, a enxerga como uma loira que usa joelheiras, macacão felpudo por baixo de shortinho jeans e suéter de angorá, além de um par de botinhas peludas. O ei ei ei dela, na verdade, quer dizer au au au.

Em "Sylvia", a atriz Annaleigh Ashford interpreta uma cadela adotada por Matthew Broderick. (Foto: Joan Marcus)
Em “Sylvia”, a atriz Annaleigh Ashford interpreta uma cadela adotada por Matthew Broderick. (Foto: Joan Marcus)

Em 1995, quando essa comédia do dramaturgo A.R. Gurney sobre um homem com tendências para a bestialidade foi lançada na Broadway, Sarah Jessica Parker interpretou a cadelinha afetuosa, carente e manipuladora. Agora, neste levemente divertido revival, a curiosidade é que o marido da eterna Carrie Bradshaw de “Sex and the City”, o ator Matthew Broderick, assume o papel masculino principal, a de um homem de meia-idade, desgostoso com seu casamento, que confessa, durante uma sessão de terapia, que seu novo pet tem “uma bundinha fofa”.

Broderick é Greg, o tal homem em crise que, ao levar Sylvia para seu apartamento, encontra oposição da esposa, Kate (Julie White), uma professora de literatura inglesa que adora citar passagens shakespearianas. Com a nova presença de quatro patas, o relacionamento do casal estremece tão rapidamente, a ponto de eles procurarem um psicanalista.

Matthew Broderick é interrompido por sua cadela opinativa. (Foto: Joan Marcus)
Matthew Broderick é interrompido por sua cadela opinativa. (Foto: Joan Marcus)

Como uma boa cadelinha esperta, Sylvia sabe para que lado pender com sua afetuosidade. Ela odeia rolar no chão, mas, para satisfazer seu dono, o faz. Ela também gosta de se apoderar do sofá, de colocar o focinho na virilha das visitas indesejadas e até de opinar na crise conjugal do dono. Em determinada cena, por estar com vermes, ela arrasta a bundinha pelo chão. A cena escandalizou o crítico do jornal “The New York Times”, que chamou situação tão normal na vida de um cão de “vulgar”. “Não acho engraçado ver Ashford roçar o traseiro no chão do palco,” escreveu o crítico.

Sarah Jessica Parker foi a cachorrinha Sylvia em 1995, na Broadway. (Foto: Reprodução)
Sarah Jessica Parker foi a cachorrinha Sylvia em 1995, na Broadway. (Foto: Reprodução)

Ao contrário de “The Goat”, peça de Edward Albee vencedora do prêmio Tony em 1992 e na qual o ator Bill Pullman interpretava um arquiteto que se apaixona por uma cabra, “Sylvia” não é um texto sofisticado sobre a obsessão de um homem por um animal. A montagem vai pelo lado leve, os bons atores mantêm o público satisfeito (apesar da longa duração: duas horas) e o epílogo da peça é fofo.

Movimentação na porta do teatro Cort, na rua 48, onde "Sylvia" está sendo apresentado. (Foto: Marcelo Bernardes)
Movimentação na porta do teatro Cort, na rua 48, onde “Sylvia” está sendo apresentado. (Foto: Marcelo Bernardes)

Broderick, cujo bom DNA ainda conserva nele feições joviais do tempo em que era ídolo teen em filmes como “Curtindo a Vida Adoidado” e “Jogos de Guerra”, continua a aperfeiçoar o seu lado Jack Lemmon. Ele é um ator que consegue, independente da densidade cômica desenrolando em cena, manter a compostura, com semblante sempre digno.

Annaleigh Ashford em cena no seriado "Masters of Sex". (Foto: Divulgação)
Annaleigh Ashford em cena no seriado “Masters of Sex”. (Foto: Divulgação)

Mas, em “Sylvia” quem rouba a cena mesmo é Ashford. Difícil não resistir aos olhares carentes e as caretas de safadinha dela. A loira de 30 anos é mais conhecida do grande público por sua participação na série “Masters of Sex”, na qual interpreta a prostituta-lésbica que se torna responsável pelo laboratório do doutor Masters (Michael Sheen). Este ano, ela venceu o Tony de melhor atriz coadjuvante pelo musical “You Can’t Take It with You” e foi chamada por Ben Brantley, o respeitado crítico teatral do “New York Times”, de uma “astuta geniozinha cômica”.