Modernista negro, neto de escravos, ganha exposição em NY
A exposição de estreia da nova sede do Whitney Museum, no Meatpacking District, que aconteceu em maio e prosseguiu até a semana passada, foi batizada de “America Is Hard To See”. Ela reuniu obras de Edward Hopper, Alex Katz, Barbara Kruger, Georgia O’Keefe, Richard Serra, Yayoi Kusama e Roy Lichtenstein, entre outras centenas de artistas. Foi uma mostra para reapresentar o vasto acervo do museu ao público. Muitas dessas obras ficaram guardadas em depósitos por quase duas décadas e, finalmente, por meio do novo prédio desenhado pelo arquiteto italiano Renzo Piano, elas preencheram galerias amplas, iluminadas por abundante luz natural.
Agora o Whitney apresenta, de hoje até 17 de janeiro de 2016, sua primeira exposição para valer: “Archilbald Motley: Jazz Age Modernist”. Ao apresentar à imprensa, na manhã de quarta, dia 30, os 42 quadros feitos por Motley, artista negro, netos de escravos, que cresceu em Chicago, e teve passagens por Paris e Cidade do México, Adam Weinberg, um dos diretores do museu, explicou os planos futuros da entidade. “Ao optarmos por um pintor negro como tema de nossa primeira retrospectiva, fica assinalada assim nossa intenção pela diversidade.”
Foi em 1928 que a cidade de Nova York ouviu falar de Archibald Motley pela primeira vez. O jornal “New York Times” publicou um artigo de página inteira, explicando que a exposição dele em uma galeria na Madison Avenue era a primeira, de toda a historia da cidade, dedicada a um pintor negro. Artistas locais reagiram com certa intriga: quem é esse artista que veio ciscar em nosso terreno e ganha tanto destaque assim?
O artista, porém, não era nome passageiro. Motley impressionava por ser um modernista de rigidez acadêmica, mas que se diferenciava dos demais por se inspirar no que acontecia na Europa e ainda dialogar com a cultura negra em suas telas. Ao abordar cenas urbanas americanas nas décadas de 20 e 30, Motley é hoje comparado com contemporâneos como Hopper e Reginald Marsh. Mesmo assim sua obra continua pouco conhecida. Nova York, por exemplo, não via quadros do artista expostos desde meados dos anos 90.
Motley nasceu em 1891 em Nova Orleans e se mudou para Chicago quando ainda pequeno. Foi morar num bairro de classe média para imigrantes brancos, longe do tradicional bairro negro de Bronzeville, encravado numa área batizada de Black Belt (cinturão negro). Entre 1914 e 1918, cursou a School of the Art Institute. Era um dos raros estudantes negros daquela entidade. Seus trabalhos pós-gradução rapidamente colheram prêmios. Sua primeira fase artística foi fortemente influenciada por portraits de modelos profissionais e membros de sua família. Um dos retratos mostra a mulher dele, Edith Granzo, uma branca que ele conheceu e se apaixonou ainda quando era estudante.
Em 1929, uma bolsa de estudos que ele ganhou da Fundação Guggenheim, o colocou um ano em Paris. Ele criou interesse pela vida boêmia, capturando cenas de ruas da cidade e cabarés frequentados por famosos. A Paris da era do jazz transformou Motley num dos melhores intérpretes visuais da modernidade negra. Seu quadro “Blues”, de 29, foi considerado um ícone do Renascimento do Harlem, movimento negro cultural que se estendeu desde o Harlem, em Nova York, aos bairros de diáspora negra de Paris em meados da década de 20.
A fase “esteta do jazz” continuou na volta de Motley a Chicago, com seu interesse renovado pelas cenas noturnas do bairro Black Belt, com seus clubes de jazz, cafés e casas, onde homens se reuniam para a jogatina depois do sermão de igreja. Motley também estava cada vez mais interessado em falar sobre as imagens e o comportamento estereotipado da comunidade negra. E ele nem sempre refutava essa visão distorcida, exagerando no tamanho dos lábios e dos olhos dos negros retratados. Seu quadro “Portrait of a Cultured Lady” (Retrato de uma Mulher com Cultura), de 1948, foi considerado um protesto contra o racismo e segregacionismo pós Segunda Guerra.
Naquele ano, com a morte de sua mulher, Motley começou a fazer viagens constantes a cidade do México, para visitar o sobrinho, o famoso escritor Willard Motley. Casas noturnas, restaurantes mexicanos e mulheres seminuas foram retratados pelo pintor. Em 1955, de volta a Chicago, o pintor passou seis meses na prisão, após atacar o padrasto, que abusava de sua mãe.
Em 1972, aos 70 anos, e nove antes de sua morte, Motley produziu sua última tela: “The First One Hundred Years” (os primeiros cem anos). Trata-se de um épico. Não pelo tamanho, mas por ser uma alegoria política sobre a cultura racial nos Estados Unidos. O quadro contem imagens de um membro do Ku Klux Klan, da Estátua da Liberdade, de um negro enforcado numa árvore, uma caveira, do diabo, de um policial batendo em um negro e dos rostos de John Kennedy, Abraham Lincoln e Martin Luther King Jr., líderes políticos que criaram novas leis e movimentos contra o racismo. O estilo da obra foi considerado sem parentesco com os trabalhos anteriores de Motley. De semelhante mesmo somente seu interesse, cheio de ousadia, de captar o estilo de vida da comunidade negra.