Sucessor de Jon Stewart estreia com programa sem alterações
Em time que está ganhando não se mexe. Esse foi o mantra da estreia do comediante sulafricano Trevor Noah, que assumiu o lugar deixado por Jon Stewart, após 16 anos a frente do influente talk show político “The Daily Show”.
Noah continuou a usar a mesma estrutura criada pelo programa de Stewart: mesmo tema de abertura, participação de repórteres e até o “momento zen” no final, no qual políticos, em situações reais, quase sempre tiradas de entrevistas televisivas de outras emissoras, falam as maiores abobrinhas. Até a nova bancada ficou parecida com a usada por Stewart.
Em seu monólogo de abertura, Noah fez mini-homenagem ao “mentor” Stewart e já quebrou o gelo ao oferecer uma piada sobre o fato de ser negro. Noah chamou Stewart de “a voz do país” e “pai político”. “Agora parece que a família tem um novo padrasto, que vem a ser negro”, disse, para logo emendar: “o que não é ideal”.
Piadas raciais parecem ter sido uma novidade na linha editorial do programa, assim como as sexuais (ele fez um trocadilho com as palavras aids e aides, a última significa “assessores” em inglês) e uma piada de mal gosto sobre Whitney Houston e o uso de crack, que dividiu a plateia. Alguns aplaudiram, outros soltaram um sonoro “ooooooooh” de desaprovação.
Sem demonstrar nervosismo – e gesticulando e gritando menos que Jon Stewart (Noah faz a linha mais cool, com seu grande sorriso colgate e ternos de cortes mais rentes ao corpo) -, o novo apresentador também falou sobre o porquê de ter ido parar no comando do talk show. Segundo ele, a emissora Comedy Central sondou algumas mulheres para o posto (rumores são de que Amy Schumer e Amy Poehler foram convidadas), mas que elas recusaram a proposta. O mesmo aconteceu “com outros americanos convidados”. “Em outras palavras: um trabalho rejeitado por americanos agora está sendo feito por um imigrante”, zombou Noah.
Passadas as apresentações, Noah prosseguiu seu monólogo de abertura com temas como a visita do papa Francisco aos Estados Unidos, o anúncio da NASA de que existe indícios concretos da existência de água no planeta Marte e a renúncia do republicano John Boehner, presidente da Câmara dos Representantes (deputados), após intensa pressão da ala mais conservadora do partido.
Ao falar de Boehner, Noah surgiu com suas piadas mais controversas do programa. Ele disse que o político era uma espécie de leão-de-chácara do “Clube Congresso”, que “provavelmente é um dos piores clubes já criados” e no qual “mulheres são quase inexistentes”. “Trata-se de um bando de homens velho falando sobre implementação de tubulação. Ah, e todo mundo no clube tem aides (assessores)”. E Noah logo corrige o trocadilho com aids. “Aides: as pessoas que te assessoram!”
Ainda sobre os atritos entre o conservador Boehner e os ultra-conservadores republicanos que cobravam do político uma oposição ainda mais intensa ao governo de Barack Obama, Noah fez piada sobre drogas. “É como o crack dizendo para a metanfetamina que ela não é viciante o suficiente: ‘Yo, man, você tem que melhorar (a tática de) seu jogo. Grande coisa, metanfetamina, que você faz os dentes caírem. Eu derrubo a Whitney Houston!” Diante da vaia de parte da plateia, Noah imediatamente emenda uma mea culpa por fazer piada sobre a cantora: “muito cedo?”
Os melhores momentos do programa vieram da participação dos repórteres, principalmente da estréia do repórter negro Roy Wood Jr., que entrou ao vivo “da sede da NASA” e estava “enfastiado” com a grande revelação da agência espacial americana. Noah pergunta a Wood se a descoberta de água em Marte significa que as pessoas podem vir a habitar o planeta vermelho algum dia. E Wood responde, fazendo alusão ao fato de que, recentemente, taxistas de Nova York se recusavam a parar e pegar usuários negros. “Um brother não consegue pegar um táxi, imagine um foguete especial! Negros não irão à Marte. E isso inclui você, Trevor!” E Wood lista os negros com chances de visitar Marte: “Beyoncé, Oprah e (o ex-jogador) Michael Strahan”.
Apesar de uma imagem cool, Noah está anos luz do carisma (e importância) de Jon Stewart e terá muito o que provar, nas próximas semanas, para manter a audiência do programa – e também seu emprego. Mas ele prometeu em seu discurso de abertura a “continuar a guerra contra as asneiras (dos políticos)”.