Bruce Jenner e modelo brasileira beneficiam boa fase dos transgêneros
Cerca de 16.9 milhões de espectadores sintonizaram na noite de sexta, dia 24, a entrevista dada por Bruce Jenner, ex-atleta olímpico e atual estrela de reality show televisivo, à jornalista da rede ABC, Diane Sawyer. No programa de duas horas de duração, Jenner assumiu que se define como mulher e que, em breve, deverá passar por uma cirurgia de redesignação sexual para completar seu processo de transição de homem para mulher.
Descontadas transmissões esportivas ou de premiações como o Oscar, este foi um dos programas de maior audiência da TV americana em mais de uma década. A rede ABC quase que quadruplicou o ibope médio que geralmente experimenta nas noites de sexta. Cerca de 1 milhão de tuítes também foram publicados durante a entrevista. “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”, tuítou o apresentador de talk show Jimmy Fallon, valendo-se da célebre frase cunhada pelo astronauta americano Neil Armstrong ao descrever a chegada do homem à Lua, em 1969.
Exageros e críticas à parte, o circo da mídia criado em torno da entrevista de Jenner à ABC se tornou uma ocasião importante para o reconhecimento e popularização da causa dos transgêneros nos Estados Unidos. Enquanto a organização gay mais importante do país, a GLAAD (Aliança contra a Difamação Gay e Lésbica) tenta instruir a imprensa local a abolir expressões como “mudança de sexo” ou “pós-operatório” e optar pela politicamente correta “transição” para caracterizar a transformação de uma pessoa no sexo oposto, apenas 8% da população americana diz conhecer uma pessoa transgênero, embora o número desse grupo já chegue aos 700 mil nos Estados Unidos. O nível de conscientização de outra facção da população gay é de quase 100%: 9 entre 10 americanos conhecem ou têm familiares que são gays ou lésbicas.
Por causa do sucesso da entrevista de Jenner, e de ele ser muito famoso, principalmente por participar de um reality show popular na TV, o Keeping Up with the Kardashians, no canal E!, e o despertar de uma curiosidade internacional, Jenner se transformou, da noite para o dia, no transgênero mais famoso do mundo. “Acho que as pessoas acordaram na manhã de sábado dizendo: ‘alguém que conheço é transgênero. Isso é monumental”, disse a escritora transgênero Jennifer Finney Boylan ao canal ABC.
O impacto da entrevista foi tão grande nos Estados Unidos que, mesmo emissoras concorrentes, como as redes CBS e NBC fizeram reportagens sobre Jenner, além de produzirem segmentos inéditos sobre a situação dos transgêneros nos país. O efeito Jenner vem a se juntar à reportagem da revista Time, no ano passado, sobre o crescimento de transgêneros no país. Na capa da publicação, a atriz transgênero Laverne Cox, que interpreta uma presidiária no seriado “Orange is the New Black”. “Para 92% da população americana, tudo o que eles sabem sobre transgêneros eles aprendem pela mídia”, disse Nick Adams, um dos diretores da GLAAD ao jornal The Los Angeles Times.
Em janeiro, o presidente Barack Obama, em seu discurso anual à nação, foi o primeiro presidente americano a usar a expressão transgênero. Em março, o colégio de mulheres Wellesley, com sede em Massachussetts, começou a aceitar transgêneros no quadro de alunas, se tornando o sexto colégio americano a adotar a política da inclusão sexual para homens “que vivem como mulheres ou consistetemente se identificam como uma mulher”. E mais de 60 universidades americanas, entre elas Harvard, Yale e Stanford, têm programas e também oferecem serviços especiais de apoio aos transgêneros, que vão desde a administração de hormônios à cirurgias de redesignação sexual.
O apetite pelo conscientização e apoio aos transgênicos podem ser sentidos cada vez mais pelas indústrias de entretenimento e de moda.
Na edição de maio da revista americana Vogue, por exemplo, quatro páginas foram dedicadas à ascensão da modelo transgênero Andreja Pejic, 23, nascida na Bósnia e criada na Austrália. A modelo, de 1m86 de altura e que calça sapatos número 40, chamava-se Andrej. Como tantas outras modelos, Pejic foi descoberta, aos 16, enquanto trabalhava num McDonald’s de Melbourne. No ano passado, após tratamento de supressão hormonal e uma cirurgia de afirmação de sexo, ela começou a desfilar para os grandes nomes da moda como Jean Paul Gaultier e Marc Jacobs. Pejic foi desencorajada por muitos na indústria da moda, ouvindo que era melhor explorar seu lado andrógino a ter que entrar, como mulher, no saturado mercado de modelos. Ela preferiu explorar plenamente as possibilidades de modelo. “Existem muitas categorias hoje em dia. Isso é bom. Nós finalmente estamos tentando entender que identidade sexual e sexualidade são coisas muito mais complicadas”, disse Pejic à Vogue.
Pejic não é a única modelo transgênero trabalhando hoje em dia. A americana Arisce Wanzer e a francesa Ines Rau, ambas radicadas em Nova York, já fizeram várias campanhas profissionais. Rau chegou a participar de uma especial para a loja Barney’s, na qual o famoso fotógrafo Bruce Webber fotografou 17 modelos transgêneros. As atrizes americanas Jamie Clayton e Carmen Carrera, ambas transgêneros, também costumam participar de editorias de moda.
Assim como Pejic, uma das mais badaladas modelos transgêneros do momento é a mineira Lea T, filha do jogador de futebol Toninho Cerezo. Nascida Leandro, Lea cresceu na Itália e trabalhou como assistente do designer de moda Riccardo Tisci, diretor criativo da Givenchy, que a ajudou a levantar fundos para um operação de redesignação sexual. No ano passado, ela fez história dentro da indústria de cosméticos, ao se transformar na primeira modelo transgênero a assinar contrato com uma grande empresa, no caso a Redken, do grupo L’Óreal. Rosto da nova campanha da marca, a identidade sexual de Lea T nem é explorada pela empresa. “Minha campanha com a Redken provou que qualqer coisa é possível”, disse Lea à edição de maio da revista Marie Claire americana.
Na televisão, o interesse por personagens transgêneros mais nuançados é grande depois do sucesso de “Orange is the New Black” e, em especial, a série “Transparent”, da Amazon, em que o ator Jeffrey Tambor interpreta um pai de família que decide contar aos filhos sobre sua transição. O show recebeu críticas extramemente favoráveis e Tambor colheu um Globo de Ouro de melhor ator no começo do ano.
A atriz Laverne Cox não parou apenas com seu trabalho como uma detenta que cuida dos cabelo das colegas em “Orange is the New Black”. A atriz, a primeira transgênero a conquistar uma indicação para o Emmy, o Oscar da TV, foi recrutada recentemente pela rede CBS para protagonizar o piloto de um novo seriado sobre advogados. O futuro da série será decidido se o piloto do programa tiver resposta favorável do público. E, de sua participação no seriado “Transparent”, a atriz Trace Lysette foi recentemente convidada para fazer parte do elenco do seriado da NBC, “The Curse of the Fuentes Women”, que está sendo produzido por Silvio Horta, o criador da versão americana da novela colombiana “Yo Soy Betty, la Fea”.
No campo dos reality shows, mais olhares sérios aos dramas enfrentados pelos transgêneros. Há duas semanas, o canal a cabo Discovery Life começou a exibir a série “New Girls on the Block”, que acompanha seis trasgêneros de Kansas City, no estado do Missouri, em diferentes estágios de suas transições. Em breve, dois novos shows vão lidar com o ponto de vista de dois jovens. Em “All That Jazz”, da rede TLC, a adolescente transgênero Jazz Jennings, famosa ativista do YouTube baseada na Flórida, vai revelar como é ter 14 anos e optar pela transição. Já Ben Lehwald, um jovem heterossexual de 17 anos, de Chicago, é o protagonista de programa “Becoming Us”, do canal ABC Family, que é uma espécie de “Transparent” real. Lehwald precisa lidar com a transição do pai, hoje conhecido como Carly.
No cinema, o filme “Danish Girl”, que estreia em novembro, promete ser veículo para uma segunda indicação consecutiva para o Oscar de melhor ator para o inglês Eddie Redmayne, vencedor da estatueta deste ano pelo filme “Teoria do Tudo”. Redmayne interpreta Lili Elbe (1882-1931), uma artista dinamarquesa que é considerada uma das primeiras pessoas a passar por uma operação de redesignação sexual.