Quando manequins se transformam em arte
Foi no verão de 1986 que os olhos do designer Ralph Pucci “se abriram”. Filho de um casal especializado no conserto de manequins, Pucci iria empurrar o negócio da família, baseado na pequena cidade de Mount Vernon, interior de Nova York, em outra direção. Naquela data, ao conhecer a decoradora francesa Andrée Putman, que, uma década antes, em Paris, havia sido mentora de famosos designers de moda como Azzedine Alaïa, Issey Miyake e Claude Montana, Pucci decidiu seguir os conselhos da amiga e investir na criação de um manequim bem diferente daquelas figuras de silhuetas delgadas que seus pais costumavam montar.
Nascia assim, “The Olympian Goddess”, a Deusa do Olimpo, uma manequim totalmente dourada, de curvas generosas e ombros largos. O début dela aconteceu na rua 17, para celebrar a abertura da primeira loja da Barneys New York no Baixo Manhattan. Estavam presentes na festa, estrelas do mundo da pop art como Keith Haring e Andy Warhol, mas o assunto mesmo era aquela figura de fibra de vidro, inerte, mas com pose imponente e andrógina. “Foi um momento divisor de águas, foi quando decidi que deveria forçar os limites da arte dos manequins”, explicou Pucci, no final da tarde de segunda-feira.
A ocasião é a abertura da exposição “Ralph Pucci: The Art of Mannequin”, que fica em cartaz no Museu de Artes e Design, o MAD, em Nova York, de hoje até 30 de agosto. Ela coincide com a proximidade do aniversário de 40 anos de carreira do designer. Na mostra, se pode ver os mais importantes manequins – a maioria deles criadas em colaboração com outros artistas e até modelos – que Pucci desenvolveu desde 1986. E ele ressalta o caráter único e artesanal deles. “Os manequins são todos feitos individualmente, à mão e em formas de molde. Você não aperta um botão ou os importam de uma fábrica na China”.
Os manequins de Pucci são como objetos de escultura moderna. Eles assumem as mais diversas formas, de curvas à la Boticelli ou as longelíneas figuras do artista italiano Alberto Giacometti. Eles também flertam com diferentes escolas artísticas, do expressionismo alemão ao art decô. No ano passado, por exemplo, a pedido da designer Diane von Furstenberg, que iria fazer uma exposição dos vestidos dela em Los Angeles, Pucci criou 250 manequins inspirados pelo exército de terrracota do imperador chinês Qin.
Ao lançar sua grife Nuala, de roupas de ioga em 2001, a top model Christy Turlington e Pucci colaboraram num manequim que imitava a pose de lótus. Com outra modelo, a lendária alemã Veruschka, ele fez várias parceiras. “Veruschka é uma das pessoas mais criativas com quem já trabalhei. Ela não queria ser apenas modelo, ela tinha aspirações artísticas maiores”, disse Pucci.
Entre outros colaboradores de Pucci estão a designer de moda Anna Sui, a ilustradora Maira Kalman, de cujos livros infantis (que Pucci lia para seus filhos), nasceram modelos dançarinas de tango como Ada, e o artista Ruben Toledo. Com Toledo, Pucci criou, em 1988, um modelo totalmente surrealista chamado Birdland. A mulher de Toledo, a designer de moda Isabel Toledo, serve uma espécie de petisco para a exposição principal, criando, logo na entrada, uma curadoria de jóias que são expostas em bustos inspirados em Birdland.
Pucci também sabia fazer comentários políticos e sociais com seus manequins. Na década de 80, Andrée Putman e ele criaram The Form (A Forma), um boneco de formas simples, que ajudou a retratar a recessão que surgiu após o boom do Reaganomics, a política econômica do presidente Ronald Reagan, quando roupas luxuosas começaram a encalhar em lojas de departamentos, e vestidos mais simples e mais baratos começaram voaram das prateleiras.
Hoje, a empresa de Pucci cria cerca de 100 manequins por semana. Suas formas de moldes e dezenas de partes desmembradas, de pés pálidos à cabeças alaranjadas ou azuis, estão organizadas numa réplica do ateliê dele, criada especialmente para a exposição. Michael Evert, escultor-mestre da Ralph Pucci há 25 anos, estará demonstrando, uma vez por semana, com a participação do público, como manequins com sugestivos nomes como Shirley ou Hamilton (sim, Pucci também não esqueceu de manequins masculinos) são criados. Parece que você acabou de entrar num elegante set de filmagens. Mas Pucci avisa: “o verdadeiro é mais empoeirado”.