De Wall Street para o balcão de sobremesas

Milly Lacombe

Quando Marcelo me levou ao ChikaLicious pela primeira vez fiquei ligeiramente mal-humorada. O lugar é mínimo, havia uma fila na porta e fomos obrigados a esperar na rua, no maior frio, porque, como disse, o lugar é realmente muito pequeno. Pior: já tínhamos jantado e estávamos ali apenas para a sobremesa – que, aliás, é tudo o que o minúsculo restaurante – ou dessert bar – serve. “Vai valer à pena esperar”, disse Marcelo depois de me escutar bufar.

Ao finalmente sermos convocados a entrar e sentar no balcão (são apenas quatro mesas e um balcão) comecei a melhorar.

O Chikalicious serve sobremesas finas – em três cursos: entrada, sobremesa principal e saída – e faz um pareamento com vinho, chá ou café. Do balcão você pode ver a proprietária Chika Tillman trabalhando nas criações, enquanto seu marido, Don Tillman, organiza a fila na porta e coloca os convidados nas mesas ou no balcão.

Uma das "saídas" do menu de três cursos
Uma das “saídas” do menu de três cursos. (Crédito: Marcelo Bernardes)

Do outro lado da rua existe um outro ChikaLicious, ainda menor, e que funciona apenas para comprar e levar para casa alguns doces “embaláveis” – ao contrário daqueles que Chika serve no balcão e que, de tão finos e delicados, jamais poderiam sair “para viagem” .

Chika, que é muito pequenina, se movimenta com impressionante rapidez dentro do balcão falando em japonês com seu assistente. Ela nasceu no Japão e veio aos Estados Unidos para trabalhar em Wall Street. “Eu sabia que alguma coisa estava desencaixada porque chegava cedo ao banco e antes de abrir o caderno de economia do jornal abria o de gastronomia”, disse ela ao Blog Baixo Manhattan. “Mas achei que era apenas pelo fato de eu realmente amar comer. Eu como muito, muito mesmo, e quando saía para almoçar com meus colegas de Wall Street só queria falar de comida, eles achavam um saco”.

Chika e Don no balcão do Chikalicious
Chika e Don no balcão do Chikalicious. (Crédito: Marcelo Bernardes)

 

Um dia Chika decidiu fazer um curso noturno de gastronomia no French Culinary Institute e percebeu que talvez quisesse mudar de vida. Depois de algum tempo tomou coragem e foi trabalhar em cozinhas. Passou pelo Gramercy Tavern, pelo Dining Room do Ritz-Carlton Buckhead, pelo Seegers e pelo Bid Restaurant, até conhecer Don Tillman, saxofonista de uma banda de jazz, se apaixonar, casar e, com ele, decidir fazer um lugar só de sobremesas. “E se não der certo?”, perguntou um dia a Don. “Se não der não deu, mas eu aposto em filas na porta”, respondeu ele, que nos dias de folga pode ser flagrado tocando seu sax no mercado da Union Square.

Quando Marcelo perguntou a Chika por que abriu seu dessert bar no Baixo Manhattan – na rua 10, entre as avenidas 1 e 2 – ela explicou que no Upper East side, ou na parte de cima da ilha, as pessoas só entendem um cheesecake se ele tiver o formato triangular de um cheesecake tradicional – o que Chika serve, por exemplo, é redondo – e que na parte baixa da ilha, sabidamente menos conservadora, ela se sentiria mais livre para inovar.

E inovando ela conseguiu a façanha de completer dez anos de portas abertas em uma cidade que historicamente não consegue tanta longevidade para lugares que só servem doces. Quando pergunto se ela sente saudade de Wall Street Chika não leva nem uma fração de segundos para responder: “Muita! Passar o dia inteiro em pé é duro”, diz rindo antes de sair apressada para servir mais um cliente.

ChikaLicious Dessert Bar: 203 East 10th street

A "bomba de creme" do ChikaLicious
A “bomba de creme” do ChikaLicious. (Crédito: Marcelo Bernardes)