Nomes consagrados de Hollywood lutam para encontrar público

Marcelo Bernardes

Com apenas – e exatos – 60 dias transcorridos, o ano de 2015 já se transformou numa acidentada viagem para os estúdios de Hollywood. Para cada surpresa como a fenomenal resposta do público para “Sniper Americano”, novo filme de Clint Eastwood que arrecadou até o momento US$ 331 milhões, tornando-se a produção de guerra de maior sucesso da história do cinema americano, uma dupla de fiascos foi despejada pelo caminho. Presente do ator Johnny Depp e da dupla de diretores de “Matrix”, os irmãos Andy e Lana Wachowski (este último era mais conhecido como Larry, antes de se transformar em transgênero no começo de 2000). Fazia tempo que Hollywood não tinha tanta dor de cabeça num curto período de um novo ano fiscal como agora.

 

Apelidado como “veneno de bilheteria”, Johnny Depp continuou a apostar em sua fase de figurino repleto de adereços esdrúxulos e maquiagem de olho esfumado, iniciada em 2003 com “Os Piratas do Caribe”, mesmo que ela estivesse emitindo sinais de fraqueza. O último filme dele, a comédia “Mortdecai – A Arte da Trapaça”, que estreia no Brasil em 12 de março, foi considerado intragável pelos críticos e retirado rapidinho de cartaz após a estreia americana em 23 de janeiro. O filme, também estrelado por Gwyneth Paltrow, custou US$ 60 milhões para ser rodado e arrecadou somente 12% desse valor. Foi o sexto fracasso recente da carreira do ator que, entre outros títulos ignorados pelo público (só para ficarmos dentro da galeria “maquiagem olho de gambá” dele), estão “O Cavaleiro Solitário” e “Sombras da Noite”.

O bigode falso de Johnny Depp na comédia "Mortdecai" não cativou público (Crédito: Divulgação)
O bigode falso de Johnny Depp na comédia “Mortdecai” não cativou público (Crédito: Divulgação)

Em 6 de fevereiro, a dupla de diretores Andy e Lana Wachowski surgiu com uma nova extravagância, a ficção-científica “O Destino de Júpiter”, atualmente em cartaz em todo o Brasil. O filme estrelado por Channing Tatum e Mila Kunis custou incríveis US$ 176 milhões para ser rodado e vai terminar arrecando apenas US$ 50 milhões nos Estados Unidos. Foram tantos torpedos atirados pela crítica especializada que se especulou que as chances do ator Eddie Redmayne, que interpreta um vilão afetado no filme, de vencer o Oscar de melhor ator pelo filme “A Teoria de Tudo” poderiam diminuir consideravelmente (os votantes da Academia de Hollywood não ligaram para isso, até porque nem devem ter visto o filme). “O Destino de Júpiter” chegou depois de Andy e Lana Wachowski produzirem o caríssimo (o valor ainda hoje é mantido em segredo, mas especula-se que chegou a US$ 102 milhões) e totalmente ignorado “A Viagem” (Cloud Atlas), com Tom Hanks e Halle Berry.

 

Neste final de semana, “Golpe Duplo” (Focus), novo filme do ator Will Smith e co-estrelado pelo carioca Rodrigo Santoro no papel de um argentino, estreou com um total de US$ 18.7 milhões. Foi o primeiro lugar da bilheteria, mas o estúdio Warner Bros. tinha projetado retorno maior, reabrindo a discussão de que o nome de Will Smith nos cartazes de filmes tem perdido poder.  Smith vem do fracasso de “Depois da Terra”, ficção-científica de 2013 e assinada por M. Night Shyamalan, outro diretor de sucesso (é dele “O Sexto Sentido”) que está com problemas de se conectar com o público.

Logo após os números do filme de Will Smith terem sido divulgados neste domingo, o blog Baixo Manhattan conversou com Paul Dergarabedian, da empresa Rentrak, um dos maiores analistas de bilheteria de Hollywood.

 

BM – Embora o novo filme de Will Smith tenha alcançado o primeiro lugar da bilheteria, os números ficaram bem abaixo dos projetados pelo estúdio Warner. O apelo do ator está abalado?

 

Paul Dergarabedian – Will Smith tem 22 filmes como protagonista em seu currículo. Desses, 14 estrearam em primeiro lugar na bilheteria – incluindo “Golpe Duplo” neste final de semana. Trata-se de uma excelente trajetória para o ator. Mas, é claro que, em 2013, ele fez o fracasso “Depois da Terra”. Não considero Will Smith como veneno de bilheteria. No caso específico de “Golpe Duplo”, o estúdio Warner Bros revelou que 88% do público pagante foi de faixa etária acima de 25 anos, ou seja, mais velha. O filme, sobre assaltantes, também não conseguiu transmitir um conceito claro para o público. No final das contas, o que realmente tem ressonância por entre o público é o conceito e o tema de um filme serem apresentados de uma maneira coerente. É bonus extra quando esses filmes são estrelados por um nome como Will Smith, Tom Cruise ou Denzel Washington.

 

"Golpe Duplo", filme de Will Smith (em cena com a atriz australiana Margot Robbie) estreou em primeiro lugar, mas com resultados aquém do esperado. (Crédito: Divulgação)
“Golpe Duplo”, filme de Will Smith (em cena com a atriz australiana Margot Robbie) estreou em primeiro lugar, mas com resultados aquém do esperado. (Crédito: Divulgação)

 

BM – E como o senhor analisa o risível retorno financeiro dos últimos filmes de Johnny Depp? Ele tem chances de sair dessa fase enfeitiçada?

 

Dergarabedian – O caso de Johnny Depp é diferente. Ele está tendo problemas com o público cativo dele, que começou a não entender mais as escolhas de carreira dele. O público não entendeu o porquê de ele rodar “Mortdecai” ou “O Cavaleiro Solitário”. Dentro do contexto da fase de filmes com performance afetada e repleta de maquiagem, isso funcionou bem para “Os Piratas do Caribe”, mas o público se cansou, esperando pelo dia em que Johnny Depp interpretará personagens mais acessíveis como em “Donnie Brasco”. Personagens esdrúxulos na carreira dele sempre existiram. Veja o caso de “Edward Mãos de Tesoura”, em 1990. Mas, nesse exemplo específico, Johnny estava totalmente imerso no personagem, deixando uma grande humanidade brotar, um trabalho irreprensível de atuação que estimulou o público.

 

BM – O que esses atores têm que fazer para se reconectarem com o público?

 

Dergarabedian – Seja Will Smith, Johnny Depp, Tom Cruise ou Denzel Washington, tudo tem a ver com as escolhas que eles fazem. Se eles querem sucesso comercial, precisam apostar no conceito pão com manteiga, ou seja, em filmes de grande apelo, como é “Missão: Impossível”, no caso Tom Cruise. Garanto que “Missão: Impossível 5”, que estreia em julho, será um grande sucesso. Veja Robert Downey Jr. Ele teve grande sucesso com “Homem de Ferro”, que reinventou a carreira dele. Mas quando, no ano passado, escolheu roadar “O Juiz”, o apelo comercial desapareceu. Obviamente que nenhum ator deve seguir uma fórmula específica. Esses atores que cito estão num ponto da carreira deles em que podem fazer o que quiserem. São famosos, financeiramente estabelecidos, a ponto de poderem tomar decisões de risco, e fazerem filmes mais próximos da sensibilidade pessoal deles. No final das contas, o público está sempre lá, torcendo por esses caras. A decisão final cabe ao ator, aos empresários deles e aos estúdios, de apresentar os filmes de uma maneira mais efetiva. Filme com trama gaguejante nunca deu certo.

 

 

Bonito de se ver, difícil de entender: o recém vencedor do Oscar de melhor ator Eddie Redmayne em cena de "O Destino de Júpiter", fracasso dos diretores Andy e Lana Wachowski. (Crédito: Divulgação)
Bonito de se ver, difícil de entender: o recém vencedor do Oscar de melhor ator Eddie Redmayne em cena de “O Destino de Júpiter”, fracasso dos diretores Andy e Lana Wachowski. (Crédito: Divulgação)

BM – Outro grande fiasco do ano foi “O Destino de Júpiter”, de Andy e Lana Wachowski. Qual é o problema dessa dupla, que faz filmes dispendiosos e não anda encontrando retorno de público?

 

Dergarabedian – O que acontece com os Wachowski é bastante curioso. Eles criaram um sucesso retumbante, que foi “Matrix”. Um filme de conceito original, que surgiu do nada. Foi um esforço visionário, um tour de force em termos de apresentação narrativa, efeitos especiais e criatividade. Como diretores ou produtores, essa dupla faz filmes de visão bastante pessoal como “A Viagem” ou “O Destino de Júpiter”. O problema é que a dupla deixou o público coçando a cabeça no final da projeção dos últimos filmes deles. Sem entender aonde queriam chegar, o público sumiu. Os dois têm agora um contrato com a Netflix para produzir série para a tela pequena. A razão de os estúdios ainda liberarem grandes orçamentos à dupla tem a ver com a visão deles. Quando ela dá certo, os resultados podem ser magníficos.

 

Quando Liam Neeson (em cena de Perseguição Implacável) vinga a morte de algum integrante da família dele, o lucro é certo. (Crédito: Divulgação)
Quando Liam Neeson (em cena de Perseguição Implacável) vinga a morte de algum integrante da família dele, o lucro é certo. (Crédito: Divulgação)

BM – E como o senhor analisa a carreira daqueles que estão conseguindo se conectar com o público, como é o caso de Liam Neeson, que, desde 2008, com o filme “Busca Implacável” se tornou um nome de sucesso?

 

Dergarabedian – A história de Liam Neeson é incrível. Ele está com 62 anos e se reinventou como herói de filmes de ação, depois de se tornar famoso por filmes sérios como A Lista de Schindler. Ele tem presença física e carisma, qualidades que o público adora num ator de filme de ação. É o que é ainda melhor: não existiu um jovem Liam Neeson fazendo filmes de ação, então o público não tem como comparar o antes com o depois. Tudo é novidade. Desde 2008, ele é o ator de ação mais respeitado internacionalmente. Ele é o cara.

 

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