O restaurante da periferia que se tornou fenômeno em Nova York

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Em 2008, Jason Wang, até então estudante do curso de marketing e negócios em uma universidade de St. Louis, no estado americano do Missouri, recebeu uma ligação telefônica do pai, que estava em Flushing, no Queens, periferia de Nova York. Em chinês, David Shi, tentou tirar uma informação do filho: “tem um homem alto aqui no restaurante, com uma equipe e algumas câmeras. Você sabe quem é ele?”, relembra Wang em entrevista ao blog Baixo Manhattan. Mesmo com uma foto do forasteiro mandada via email, Wang não conseguiu decifrar a charada. Os amigos do estudante, sim.

Carneiro picante com cominho, um dos pratos mais vendidos no Xi'an. (Crédito: Marcelo Bernardes)
Carneiro picante com cominho, um dos pratos mais vendidos no Xi’an. (Crédito: Marcelo Bernardes)

O homem altão, de cabelos grisalhos, era ninguém menos do que Anthony Bourdain, chef, escritor e apresentador do programa de TV No Reservations, exibido nos Estados Unidos pela emissora Travel Channel. Bourdain apareceu sem ser convidado no restaurante chinês Xi’an Famous Foods para gravar um segmento sobre a culinária praticada em bairros periféricos de Nova York. Desde que o programa foi ao ar, em 2009, o Xi’an passou a viver uma história digna de cinderela, tornando-se um mini-império gastronômico (este mês uma décima filial, e a maior de todas, abriu suas portas ao lado do Empire State Building, centro de Manhattan) obrigando Wang, hoje com 26 anos, a abandonar os estudos para gerenciar o empreendimento do pai. “O impacto de Bourdain indicando pratos de nosso restaurante na TV, fez com que muitas pessoas se deslocassem de Manhattan, principalmente nos finais de semana, para o Queens, a fim de experimentar nossa comida”, diz Wang. “Uma expansão em Manhattan se tornou necessária”.

Ao chegar ao bairro do East Village, em 2010, mais precisamente na rua Saint Marks Place, um pequeno pandemônio se formou à porta. Filas e mais filas de pessoas eram vistas diariamente na pequena loja do Xi’an Famous Foods e fotos da romaria gastronômica logo se tornaram sensação na mídia social. “É o tipo de cozinha que eu gosto”, disse Bourdain, recentemente, à revista do Wall Street Journal. “O Xi’an tem o cheiro que eu gosto, uma despretenciosa – disponível para todo mundo -, e democrática experiência na qual acredito”, completa o famoso chef.

Apesar do grande impulso dado por Bourdain, o Xi’an Famous Foods já era um ponto popular, com filas, no shopping center do Queens, de onde operava desde 2005. Tudo porque o menu do chef David Shi ia totalmente na contramão da tradicional cozinha das regiões do sul da China, essa que os americanos estão acostumados a pedir via telefone e que são entregues dentro das famosas caixinhas brancas com alças de metal. Shi vem da região do Xian, a capital da província de Shaanxi, onde a comida tem grande influência dos sabores do Oriente Médio. Rolinhos primavera e frango crocante com sésamo não existem no Xi’an. Um dos mais populares pratos do restaurante é um carneiro picante com cominho. É de encher os olhos de lágrimas: não só por ser muito apimentado, mas também por seu sabor apresentar um contraste dramático e refrescante, uma aventura estimulante e inesquecível para o paladar.

Shi criou um menu de 30 pratos, em estilo comida-vendida-na-rua, e cujo peculiar molho vem de uma fórmula secreta. O principal ingrediente é um óleo de sabor intenso feito a partir do chili. O grande sucesso do Xi’an são os noodles (macarrão chinês) feitos de trigo e cuja confecção pode levar até 18 horas. Para popularizar seu restaurante quando abriu as portas em 2005, Shi criou duas versões de hambúrgueres, com carne de carneiro ou de porco desfiadas, que ainda fazem parte do menu.

Cada prato do Xi’an custa em média US$ 10 (aproximadamente R$ 30), uma ninharia para a qualidade oferecida. Os hambúrgueres custam apenas US$ 3.50 (ou R$ 11). Alguns pratos, para os que tem impulsos da gula mais controláveis, podem ser divididos em duas refeições, embora Wang e o pai peçam para que os clientes tentem consumir a comida imediatamente após ela ser servida. A loja do Xi’an na rua 45, centro de Manhattan, movimenta um total de US$ 1.4 milhão anualmente (cerca de R$ 4 milhões), apesar dos preços baixos no cardápio.

As filiais do Xi’an são pequenas e de decoração simples, mas longe de parecerem um “sujinho” da vida. Toda a comida é pré-preparada numa cozinha central que funciona numa área industrial no Brooklyn e é despachada para as filiais, onde são finalizadas no fogão por um equipe de dois, três cozinheiros. Suprimir ingredientes da comida a ser servida, como a cebola, por exemplo, é impossível, uma vez que ela já vem misturada com a carne.

Para não passar carão, é preciso entender a etiqueta para sentar-se nas cadeiras em forma de bar do local. Principalmente a das filiais pequenas. Não adianta chegar, sentar, colocar um casacão no banquinho do lado reservando-o para o amigo que está pedindo a comida no caixa. É recomendável, quando o restaurante está cheio (e ele está cheio 80% do dia), que o cliente só ocupe um dos banquinhos quando o seu número for chamado e a comida for servida. Nas horas de pico, a comida é servida num prato fundo de plástico, já com tampa para viagem. Essa embalagem facilita os clientes a comerem de pé, do lado de fora do restaurante, ou andando na rua.

Hoje, o Xi’an tem seis filiais em Manhattan, duas no Brooklyn, a original no Queens, além do restaurante Biang!, uma versão mais formal do Xi’an e também em funcionamento no Queens. Nos próximos cinco anos, Wang espera expandir seus restaurantes para outras cidades americanas como Boston e Filadélfia e está até nos planos do jovem empreendedor e do pai dele uma filial internacional. Mas este ano o Xi’an deve abrir as portas em local que promete ser uma atrações mais descoladas da cidade – e envolta num ar de mistério, guardado a sete chaves: o Bourdain Market, pequeno centro gastronômico inspirado pelos mercados de rua de Cingapura. Rumores são de que o espaço ficará próximo ao One World Trade Center, no distrito financeiro da cidade. “Não posso comentar muito sobre isso, pois sou apenas um convidado dessa festa”, diz Wang. A julgar pelo nível de um dos convidados, Anthony Bourdain está organizando uma mega-festa.

(Por Marcelo Bernardes)

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Jason Wang abandonou a universidade para ser o CEO dos restaurantes do pai. (Crédito: divulgação)
Jason Wang abandonou a universidade para ser o CEO dos restaurantes do pai. (Crédito: divulgação)